Adélia e a escola


Do Blog da Glória, esta excelente seleção de textos de Adélia Prado.
Atenção, atenção! Favor procurar entender o sentido literal: nada disto é "licença poética".

Adélia Prado, uma das mais importantes poetas e escritoras brasileiras, tem sido uma crítica contundente da escola. Foi professora da rede estadual, o que explica seu conhecimento da escola pública e a indignação contra o que se passa dentro do mito "instituição sagrada". O interessante é que os críticos, seus leitores, os estudiosos da sua literatura, ninguém prestou atenção aos seus ataques à escola, descrevendo-a como "mecanismo diabólico" neste trecho do livro Cacos para um Vitral:

O menino adoecia, escrevia cartas terríveis: ´Mãe, eu não dou conta, só menino muito industrializado que consegue passar, eu não aguento.`

O menino detectava por força de sua inocência e sofrimento o mecanismo diabólico das escolas e escrevia: ´eu não sou industrializado`, um inconsciente grito de socorro."

E denuncia, mais explícito ainda, no livro Solte os cachorros (Siciliano, 1991):

Ninguém se assuste se eu virar assassina. Eu já sou assassina, eu desejo a morte de tudo que obriga um menino a escrever: ´mãe, estou desesperado`.
O que é que eu faço, em que língua vou fazer um comício, uma passeata que irrompa nos gabinetes, nas salas dos professores que tomam cafezinho e arrotam sua incomensurável boçalidade sobre o susto de meninos desarmados. Fazem política, os desgraçados, brigam horas e horas pela aula a mais, o tostão a mais, o enquadramento, o qüinqüênio, o milênio de arrogância, frustração e azedume.
Deus te abençoe, filhinho, vai pra escola, seja educado e respeitador, honra teu mestre.
Mestre? Onde é que tem um mestre no Brasil pra que eu lhe beije as mãos?
Já não basta ser gente pra encanecer de dor? Ainda têm as escolas que se aplicar neste esmero de esvaziar dos meninos seu desejo de bois, grama e pequenos córregos? Ó ofício demoníaco de encher de areia e confusão o que ainda é puro e tenro cálice.
(...)
Falo e me aflijo porque sei que não tem outro caminho senão começar de baixo, de trás, do fim da história, quando Deus pega Adão e lhe mostra as coisas, lhe deixa dar nome às coisas, lhe deixa, deixa, ruminando seu espanto, sua alegria, sua primeira palavra...
Ó senhor presidente, ó senhor ministro, escuta: o menino foi à escola e escreveu a sua mãe: estou desesperado. Escuta quem tenha ouvidos: os meninos do Brasil fenecem entre retórica, montanhas de papel e medo. Entre ladrões, como Cristo na cruz.

E completa:

Escola é uma coisa sarnenta; fosse terrorista, raptava era diretor de escola e dentro de três dias amarrava no formigueiro, se não aceitasse minhas condições.
Quando acabarem as escolas, quero nascer outra vez. (Pág. 10)

Comentários

Ricardo Rayol disse…
Realmente uma crítica contundente e ferina.
Giulia disse…
Pena que ainda tão atual! Só tendo uma visão da rede pública por dentro, para enxergar desse jeito. Você não imagina, Ricardo, o número de denúncias que recebemos, muitas infelizmente sem provas testemunhais (é a palavra da criança contra a da professora ou da diretora da escola), o que dificulta a publicação e muitas vezes a solução dos casos. Infelizmente o corporativismo da classe é forte demais e até os poucos professores que percebem esses absurdos e desmandos não têm coragem de vir a público, por medo de perder seus benefícios...