O triunfo de Bananópolis


A esmagadora maioria dos brasileiros não sabe, mas Bananópolis está fazendo o maior sucesso na Europa. Eu, que não nasci aqui, mas sou tremenda fã da Bananolândia, passei duas horas e meia deste domingo tremendo de emoção ao ouvir o concerto que a Osesp tocou em Viena durante sua temporada européia, no famosíssimo Musikverein, a mais prestigiada sala da Europa, onde já se apresentaram os maiores compositores e intérpretes do mundo.

Péra aí, não estou escrevendo de Viena! Foi na cozinha de casa mesmo, preparando um yakissoba “à moda italiana”, dentro do melhor espírito da globalização. E antenada com Viena via Rádio Cultura. Que maravilha este mundo em que vivemos! Como diria o saudoso Louis Armstrong, “What a wonderful world”! Distraída entre o corte do pimentão e o preparo do macarrão, fiquei com a impressão de estar assistindo o concerto ao vivo e me deslumbrei com os aplausos estrondosos que a orquestra e o solista Nelson Freire receberam. Depois entendi que tratava-se de uma gravação do dia 20 de março, mas isso em nada diminuiu a emoção de ver nossos músicos ovacionados por um público acostumado a uma qualidade musical absoluta.

Comecei a gostar de música aos sete, oito anos de idade, ainda na Itália, numa época em que a vida lá era bastante difícil. Um tio meu tinha uma floricultura e havia cedido os fundos da loja para uma “banda” que não tinha lugar para ensaiar. Aquela banda tornou-se depois o mais famoso conjunto de música de câmara da Europa, I Musici di Roma. Eu tive o privilégio de revê-los décadas depois, aqui no Brasil, no Teatro Municipal.
Mas foi assim, vendo de perto uma viola, uma clarineta, um oboé, que me apaixonei pela música. Para sempre! Qualquer tipo de música, desde que seja expressiva e de qualidade, nada do que se ouça hoje na rádio AM ou no circuito de TV aberta.

Quando cheguei a Bananópolis, em plena ditadura militar, fiquei abismada com a versatilidade musical e com a falta de reconhecimento dessa riqueza pela sociedade tupiniquim. É “la fora” que se valoriza o talento e a criatividade do músico brasileiro.
Qualquer outro país do mundo procura valorizar e divulgar suas maiores riquezas, não é? A Bananolândia sabe valorizar o futebol e o carnaval, mas não consegue ir além do trio elétrico, deixando para as tímidas gravadoras alternativas um mercado de imenso potencial. Por que será?... É a falta de educação, que começa obviamente naquelas que se chamam equivocadamente de “elites”. E não estou falando aqui de música erudita, não. Pergunte para algum dos “nossos” políticos se já ouviu falar de Hamilton Godoy, Gilson Peranzetta, Altamiro Carrilho, Mônica Salmaso, Mauro Senise... Como então exigir que esses analfabetos culturais valorizem a educação musical a ponto de inseri-la na escola?

O grande Villa Lobos (quem não conhece seus Choros não sabe o que está perdendo...) tinha o sonho de ver o Brasil crescer musicalmente a partir da educação. Ele chegou a lotar um estádio de crianças e fazê-las cantar em coral. Villa foi um extraordinário compositor em um país onde não havia uma única orquestra sinfônica à altura do que ele escrevia. Ele contava apenas com as orquestras das rádios, que não tinham nem a qualidade, nem o número de instrumentistas suficiente para executar muitas de suas grandes obras.

Mas hoje a Osesp está não apenas mostrando ao mundo a beleza da música de autores brasileiros como Villa Lobos, Guerra Peixe ou Radamés Gnattali, mas provando sua qualidade técnica em obras como La Mer, de Debussy, executada em Viena.

É uma pena que Bananópolis não ligue a mínima para isso. É uma pena que as crianças mais pobres, que muitas vezes possuem talento musical, estejam fadadas a bater lata nas periferias, quando poderiam ter na escola uma oportunidade de desenvolver seu potencial.
E como as escolas seriam menos chatas, se houvesse educação musical! Ou será que até no país mais musical do mundo a escola conseguiria matar o talento musical das crianças?...

Ah! A palavra Bananópolis não tem conotação chula, viu? Nada mais bonito do que passar por imensos bananais a caminho do litoral norte.
Yes, nós temos banana!

Comentários

Santa disse…
Bela crônica, Giulia! Parabéns!

Bjs
Ricardo Rayol disse…
Giulia, essa devoção ao que é de fora é histórica. Desde os tempos de Cabral. Bom, muita gente ainda sai do Brasil para ser reconhecido lá fora. Daí se naturaliza pelo país de destino, faz sucesso e vira um "brasileiro" famoso.