Processo histórico


Mais um presente da professora Glória Reis, sempre empenhada em combater e compreender a origem da crueldade e do descaso com que são tratadas nossas crianças e adolescentes na rede pública de ensino. Mesmo que as agressões físicas tenham diminuído, persiste um verdadeiro gosto pela humilhação, pelo castigo e pela tortura psicológica. Leiam o trecho de Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, que mostra como o passado explica o presente.

Nos antigos colégios, abusou-se criminosamente da fraqueza infantil. Houve verdadeira volúpia em humilhar a criança, em dar bolo em menino. Reflexo da tendência geral para o sadismo criado no Brasil pela escravidão e pelo abuso do negro.
O mestre era um senhor todo poderoso. Do alto de sua cadeira, que depois da Independência tornou-se uma cadeia quase de rei, com a coroa imperial esculpida em relevo no espaldar, distribuia castigos com o ar terrível de um senhor de engenho castigando negros fujões. Ao vadio punha de braços abertos, ao que fosse surpreendido dando uma risada alta, humilhava com um chapéu de palhaço na cabeça para servir de mangação à escola inteira, a um terceiro, botava de joelhos sobre grãos de milho. Isto sem falarmos da palmatória e da vara – esta muitas vezes com um espinho ou um alfinete na ponta, permitindo ao professor furar de longe a barriga da perna do aluno. O aluno que não soubesse a lição de português, que desse uma silabada em latim, que borrasse uma página do caderno – quase um missal – de caligrafia, arriscava-se a castigo tremendo da parte do mestre, do mestre-régio, do diretor do colégio. Um errinho qualquer e eram bordoadas nos dedos, beliscões pelo corpo, puxavante de orelha, um horror. Mestres terríveis...

Comentários

Ricardo Rayol disse…
Escapei por pouco da palmatória....
Giulia disse…
E mesmo assim você ficou esse cara seguro de si, simpático e solidário que é! Esse é o argumento dos professores-tranqueiras (a expressão é da nossa amiga Cremilda...): palmada, xingamento, esparadrapo na boca (essa é recente!), atirar vidro de cola em aluno (idem) e expulsão da escola não fazem mal a ninguém...

Pois é, muita gente sobreviveu a tudo isso. (Eu mesma fiquei ajoelhada no chão durante uma hora na primeira série, pois meu primeiro bilhete foi um palavrão para uma colega da classe.) Vai da personalidade de cada um (será que alguém ainda pensa que somos 100% produtos do meio?), do apoio familiar (que muitos alunos não têm), da vontade de continuar na escola etc. Mas será que é por acaso que METADE DOS ALUNOS BRASILEIROS não consegue completar o ensino fundamental?

Esta reflexão precisa ser feita com urgência em larga escala em todo o País. Queremos ou não queremos unificar o Brasil? Ou vamos continuar achando ótimo que metade da população esteja sem condições de competir com nossos filhos no mercado de trabalho?
Esta reflexão vai também para aqueles que vivem repetindo (inocentemente) que o objetivo da educação não é conduzir ao mercado de trabalho. Este pensamento é válido para a Suécia ou Holanda, mas não para o Brasil, onde as taxas de desemprego são astronômicas.