Uma fresta de luz


O Ministro José Eduardo Cardozo declara que é melhor morrer do que estar preso. Ele não sabe que é ainda pior do que imagina. Preso não pode escolher morrer. Não tem essa escolha na cadeia. Segundo Marcelo Freixo, um espaço permanente de horrores.

Vou chamá-lo Jesus, com certeza mais de 18 anos, mas menos de 20 provavelmente. Mais uma vítima da drogadicção que leva ao crime contra o patrimônio e encarcera os nossos jovens em massa no Estado de São Paulo. Falta política de saúde pública e prevenção a drogas, falta escola, lazer, esporte e cultura, mas sobram vagas em cadeias públicas. Vagas, um modo irônico de falar, que espremer quatro pessoas em espaço onde caberia uma não é ter vaga.

Como cadeia é um local onde se cumpre pena de morte social, a morte física é uma consequência. O preso em São Paulo pode morrer, mas não de suicídio, senão seria em massa e ia complicar a vida dos nossos governantes e acordá-los de seus berços esplêndidos.

Voltando ao jovem Jesus, ele está sendo quase arrastado pelo braço por presos que se revezam. Obrigado a andar pelo pequeno espaço do pátio onde tomam sol, num vai e vem enlouquecedor. Jesus tem que andar sem parar, os presos se revezam para arrastá-lo. Ele tem que se cansar para dormir quando for trancado na cela depois que as visitas forem embora. Segurança para os presos, que tem que mantê-lo vivo. Se Jesus se suicidar, todos serão cruelmente castigados na cela. Daí a vigilância para que ele não se enforque ou não bata a cabeça na parede até morrer. Não é misericórdia ou compaixão, esses sentimentos os presos deixam fora do Centro de Detenção Provisória logo que chegam no primeiro dia. Eles se dão conta de que estão no Inferno, onde os sentimentos bons são considerados fraqueza.

Jesus  tem sobrancelhas grossas, é branco e de lábios e nariz finos, muito pálido, magro e olha para o chão meio que anestesiado como um zumbi.

Os negros beiçudos com nariz grande e características bem africanas são raros ali. Esses, segundo o Prof. Guilherme Botelho, não resistem à abordagem policial, por conta disso são minoria nas cadeias.

O jovem que eu chamo de Jesus come pouco, a comida alí é ruim e em pequena quantidade,  mas ele não se incomoda, mergulhado na dor e depressão profunda, come o mínimo,  obrigado. A mistura da boia os outros presos comem, ele não tem nenhuma reação e nem poderia, diante dos companheiros embrutecidos pela situação onde o mais feroz sobrevive. Ali  os sentimentos de  humanidade e solidariedade se perdem  pela condição perversa da cadeia e sua inversão de valores.

Que esse Jesus vai morrer logo, como morrem centenas todo dia nas cadeias, vai. Só que não será por suicídio e sim por alguma doença comum ali, tuberculose, hepatite ou pneumonia, ou outra doença qualquer que justifique e não cause nenhum problema para a direção. Se fosse permitido ao preso se suicidar, com certeza seria em massa e já teria chamado atenção. Que estar preso em Centros de Detenção Provisória é mesmo pior que morrer.

O Ministro José Eduardo Cardozo tem razão. Tem razão seu adversário político Marcelo Freixo, que cobra uma atitude dele e do PT.

Não sei, mas se o Ministro José Eduardo Cardozo só falou que estar preso é pior que a morte, diante da possibilidade de políticos como ele “puxar cana dura”, mesmo assim valeu.

Chamou a atenção e todo mundo comenta hoje. Jogou um pequeno facho de luz nessa escuridão vergonhosa, nessa mancha que é o sistema prisional brasileiro e sobretudo paulistano. Uma pequena luz na escuridão tenebrosa é melhor que nada. Uma fresta da porta aberta é melhor que a porta fechada e escondendo a perversidade de um sistema que faria o Inferno de Dante parecer o Paraíso na Terra.

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