SEE: quantas escolas fecharam? E quantas vão fechar?


                                Imagem Amanda Gomes Lemos

Graças aos protestos de alunos de diversas escolas do Estado de São Paulo, você ficou sabendo que a Secretaria da Educação pretende fechar muitas escolas. Quantas, eles não vão revelar, da mesma forma como esconderam a quantidade de escolas que já fecharam, desde o início da gestão Rose Neubauer, em 1995.

Naquela época, já houve uma “reorganização” da rede estadual, com o mesmo pretexto de separar os alunos de acordo com os níveis de ensino. Agora preste atenção no que ouvíamos da Secretaria naquela época, quando encaminhávamos alguma crítica ou denúncia: “Nossa rede é a maior do país, temos 5 mil e tantas escolas, é claro que nem tudo é perfeito, existem alguns casos isolados, mas sempre tentamos resolver todos os problemas.”

Agora ouça o discurso atual, sempre que surge alguma crítica ou denúncia: “Nossa rede é a maior do país, temos 4 mil e tantas escolas, é claro que nem tudo é perfeito, existem alguns casos isolados, mas sempre tentamos resolver todos os problemas.”

Percebeu a diferença? A resposta é a mesma, só muda o número de escolas, de “5 mil e tantas” para “4 mil e tantas”...

Pois é, a “reorganização” da rede iniciou com a secretária Rose Neubauer, em 1995, prosseguiu com o famigerado Gabriel Chalita (de quem já falamos bastante aqui no blog), com os secretários subsequentes e até hoje têm sido fechadas escolas, classes e turnos, bem na moita.

A grande dúvida é: afinal, quantas escolas já foram fechadas durante esses 20 anos de má gestão da rede estadual? Estamos lançando este desafio para quem tiver essa informação na ponta do lápis, já que a Secretaria nunca nos revelou o número exato, e olha que nossos filhos estudaram na rede naquela época. Vamos tentar algumas continhas por cima, baseando-nos em números publicados pela Carta Capital:

Uma pela outra, as escolas estaduais têm em média mil alunos. Então, se nos anos 90 a rede chegou a ter 5 milhões e 500 alunos, eram mesmo “5 mil e tantas” escolas, talvez 5.500. Mas, naquela época, a rede tinha até unidades de Educação Infantil e a ideia era municipalizar o máximo possível de escolas de Ensino Fundamental. Se hoje a rede conta apenas 3 milhões e 800 mil matrículas, quantos alunos foram “pelo ladrão”?... Quantas escolas foram municipalizadas? Hoje, como ontem, não temos dados confiáveis, a falta de transparência é total. Além disso, a primeira “reorganização” da rede pública paulista causou enormes transtornos e traumas às famílias e comunidades.

Um dos casos mais tristes que presenciamos, na década de 90, foi de um garotinho de 7 anos, transferido para uma escola a 2 km de sua casa. A mãe trabalhava fora e o menino ia a pé para a escola, sempre chegando alguns minutos mais cedo. Até hoje as escolas públicas não têm dó nem piedade dos alunos pequenos que ficam do lado de fora, aguardando abrir o portão. Um dia, esse menino sentou no meio fio e começou a comer o lanche que havia levado de casa. Ele ficou “invisível” para um caminhão que vinha estacionando atrás dele, foi atropelado e perdeu uma perna. Naquela época, até que a mídia deu alguma repercussão ao caso, estamos falando dos extintos Diário Popular e Jornal da Tarde, os únicos que acompanhavam os dramas dos alunos da rede pública. O menino conseguiu uma prótese através de uma ONG, mas precisava de acompanhamento para tomar o ônibus até à escola e a família não tinha dinheiro para bancar essa passagem. Estivemos com a mãe na Secretaria da Educação e responderam friamente que não podiam fazer nada, que a mãe entrasse no Ministério Público e na saída uma funcionária atirou para ela uns trocados para pagar sua passagem de volta...

A situação dos alunos de Ensino Médio foi ainda pior naquela época, pois os adolescentes se reúnem em “tribos” e, ao serem separados de suas turmas, acabaram formando gangues nas periferias dos centros urbanos. Na época, a mídia registrou muitos casos de violência devidos a essa reestruturação, e nada indica que no próximo ano, quando está prevista nova “reorganização” das escolas, a adaptação será melhor. Mas isso não é problema dos buRRocratas da SEE, seus filhos estudam em escolas particulares.

E este é um assunto que sempre abordamos: o “lobby” da rede particular junto às diretorias de ensino atua fortemente, já desde a década de 90, tendo levado ao fechamento de muitas escolas em bairros de classe média. A técnica para garantir o fortalecimento da rede particular e inibir a migração de alunos para a rede pública funciona perfeitamente e é fundada sobre estes dois pilares:

1.       Garante-se “aulas vagas” de no mínimo 20%, ou seja, os alunos da rede pública costumam ter, no mínimo, 20% a menos de aulas durante o ano letivo, sendo que essa percentagem chega a 50% no período noturno! Até hoje, a expressão “aula vaga” é proibida na rede pública, porque constitui “oferta irregular de ensino”, o que contraria a Constituição. Mas, atenção! Só a expressão é proibida, a AULA VAGA é a realidade mais concreta nas escolas públicas de todo o Brasil, onde os profissionais faltam a bel prazer, pois têm direito a N faltas, sem qualquer supervisão. Os poucos diretores de escola que se atrevem a cobrar pontualidade e assiduidade são punidos, como já denunciamos várias vezes aqui no blog.
2.       Criam-se situações de violência e pânico na escola, até ela ser considerada perigosa. Eu mesma salvei um aluno acusado injustamente de ter estourado uma “bomba” dentro da escola onde estudava: pedi para ver os vestígios da tal bomba, que não apareceram. Se eu não tivesse comparecido à reunião do Conselho naquele dia, o aluno teria sido expulso e a escola teria sido tachada de “violenta”. Essa pecha assusta os pais de alunos de classe média, que se matam para pagar uma escola particular (geralmente também ruim !!!), para seus filhos.

Os pais de alunos da rede particular acabam, assim, pagando duas escolas: uma para terem certeza de que seus filhos terão aula todos os dias, dentro de um ambiente minimamente tranquilo – e outra para os filhos “dos outros”, que vão ter que se virar.

E agora a SEE quer fazer uma nova “reorganização”, deslocando alunos da escola próxima à sua casa para outra até 1,5 km de distância, o que vai dar mais ou menos as mesmas confusões que deu na década de 90, quando famílias foram simplesmente desestruturadas, obrigando mães a correr o dia inteiro para levar e buscar filhos em escolas diferentes. Mas, desta vez, muitos alunos resolveram se mexer para garantir seu direito de “permanecer na escola”, como garante a Constituição. Afastar o aluno da escola onde estuda pode significar sua evasão, pois obriga as famílias a também mudarem sua rotina, o que muitas vezes é impossível.

Não vamos então falar do aluno trabalhador, aquele que estuda no período noturno e é o mais prejudicado de toda a rede! Ele já tem muitas dificuldades para conciliar estudo e trabalho, costuma chegar na escola com alguns minutos de atraso e tem o portão fechado na cara, sem poder entrar na segunda aula. Quando consegue chegar, está morrendo de fome e não tem direito a merenda, o que prejudica seu aproveitamento escolar. É por isso que os cursos do período noturno estão “fechando” e são cada vez mais sucateados, com o pretexto de que os alunos “não querem estudar”.

E agora vamos colocar o dedo na maior ferida, que é justamente a evasão escolar, muitas vezes disfarçando uma “expulsão branca”. De acordo com o IBGE, 15% da população paulista de adolescentes entre 15 e 17 anos, ou seja, os alunos que deveriam estar no Ensino Médio, está fora da escola.

O problema já vem do Ensino Fundamental, quando o aluno não consegue acompanhar as aulas. Até alguns anos atrás, ele era considerado culpado por ter essa dificuldade: os “problemas” iam desde a desnutrição até à sua classe social. Graças a “Deus” (?), o exemplo de regiões carentes, como por exemplo no Ceará, veio comprovar que a responsabilidade pelo fracasso da escola é de uma política educacional equivocada, como tem sido a do Estado de São Paulo. Seus inúmeros “trens da alegria”, com programas e mais programas de capacitação de professores, mantiveram o nível de ensino no marasmo, a ponto de o aluno sair do Ensino Fundamental sem estar plenamente alfabetizado. Contribuem para a mediocridade geral a falta de continuidade devida às aulas vagas, às repetidas greves etc., etc.

A questão da expulsão escolar, em todos os níveis, porém mais acentuada no Ensino Médio, é talvez o maior problema da rede, pois essa "moda" partiu do Estado de São Paulo e se alastrou em todo o país, desde a gestão Chalita, quando os Conselhos de Escola tornaram-se verdadeiros tribunais de exceção para eliminar os alunos indesejados, as famosas "laranjas podres que contaminam as outras". Fizemos tanto barulho para denunciar essa prática inconstitucional, que hoje a maioria das escolas da rede parou de usá-la, mas entenda bem: continua-se expulsando alunos a rodo, porém não mais via Conselho de Escola. A nova técnica é a seguinte: pergunta-se aos pais se já não preferem buscar uma outra escola para o filho, para evitar que seja submetido ao constrangimento de passar por um julgamento do Conselho de Escola, que já decidiu por seu afastamento... Pronto: quais são os pais que vão preferir passar por esse vexame? Ah!, de uma vez por todas: a expulsão (outra expressão proibida na rede) é um afastamento real, OK? A SEE fala em "transferência compulsória", mas o aluno não é transferido para lugar algum, os pais "tem que se virar para buscar outra escola". 

Além do problema da expulsão, a situação do Ensino Médio na rede paulista é muito crítica: as classes costumam iniciar com mais de 60 alunos, é isso mesmo! Mas essa superlotação é uma “técnica” planejada que só vai poder ser desmascarada por um trabalho sério de investigação: as listas de presença de cada classe já contam com uma evasão de pelo menos 30% de alunos, ou seja, a SEE “sabe” que no final do ano vão sobrar apenas uns 30 ou 40 alunos em cada sala. Além disso, essa lista inicial costuma contar com diversos “alunos-fantasmas”, uma realidade que é denunciada há pelo menos duas décadas em todo o Brasil e que ninguém se digna apurar, muito menos o INEP, que provocamos há anos.

Um dos erros mais graves que o governo federal cometeu, também na década de 1990, foi extinguir a modalidade de Ensino Médio integrado ao Técnico, que poderia ter “salvo” diversas gerações de alunos brasileiros, que até hoje não têm outra opção a não ser ingressar num ensino médio pobre e desestimulante, praticamente sem chance de passar para o ensino superior. Hoje, quem quiser fazer um curso técnico concomitante ao ensino médio tem que estudar em dois turnos e muito poucas escolas oferecem os dois cursos no mesmo prédio, ou seja, o aluno teria que correr de uma escola para outra em um período de tempo muito curto, sem tempo de almoçar... Além disso, quantos adolescentes brasileiros podem se dar ao luxo de estudar em tempo integral? Só os de classe média, que já estudam em escolas particulares. No Estado de São Paulo, a rede Paula Souza, que já criticávamos naquela época, continua firme e forte em seu projeto elitista, ou seja, o acesso é por vestibulinho e o aluno regular dificilmente tem vez. Enfim, a maioria dos alunos entre 15 e 17 anos está mesmo condenada à evasão e não há interesse algum, por parte da SEE, em mantê-los na escola.

Ontem, como hoje, a "política educacional" da SEE/PSDB se resume a uma palavra: enxugamento, o que significa economizar às custas de crianças e adolescentes tolhidos em seu direito básico de "acesso e permanência numa escola de qualidade", como garantem diversos instrumentos legais, veja aqui. A SEE enxerga a educação como custo, não como investimento.

Este texto é muito longo e repleto de links que remetem a fatos passados. Leia com calma e entenda como sendo a retrospectiva de duas décadas de desacertos, que só podem ser entendidas com algum esforço. Para nós, que tivemos nossos filhos prejudicados por essa des-política educacional, é penoso relembrar esses fatos, mas “alguém tem que fazê-lo”, como nos escreveu um famoso expoente da academia brasileira - que porém não nos autorizou a divulgar seu nome... por que será?...

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