Educação Infantil, muito falha!



Cuidar de uma criança pequena, de 0 a 5 anos, não é tarefa fácil. Quanto menor a idade, maior a dependência e os riscos.

Na escolha de uma escola de Educação infantil, muitos pais colocam como prioridade o bem-estar e a segurança dos bebês e crianças pequenas, no que estão cobertos de razão, em vista das situações absurdas a que seus filhos são expostos, mesmo pagando muito caro, como você pode ler aqui neste link.

Mas o que se espera de uma escola de Educação Infantil é muito mais do que proporcionar às crianças cuidados básicos de higiene, alimentação, conforto e segurança. No entanto, muitas "escolinhas" não passam de depósitos de crianças, a maioria entre as particulares, conforme as denúncias que temos recebido aqui.

Uma coisa que preocupa muito, nessas escolas, é a falta de conhecimentos básicos sobre o desenvolvimento da criança. Muitas delas contam com psicólogos e psicopedagogos, mas as informações não circulam e não há uma pedagogia voltada para o aproveitamento e o estímulo dos potenciais que a criança revela naturalmente, como a curiosidade, a criatividade e a vontade de entender o mundo ao seu redor.

Nesse aspecto impressiona que, ainda hoje, a maioria das escolas de educação infantil utilizam desenhos prontos para colorir, sem valorizar os rabiscos e manchas que as crianças adoram fazer e que expressam sua forma de ver o mundo. O professor que torce o nariz diante de imagens que não entende e que "nada representam" precisa de uma urgente reciclagem.

Aproveitamos para reproduzir aqui trechos de um artigo antigo mas muito interessante do escritor, ilustrador e arte-educador Luís Camargo. É incrível que o livro citado no final do artigo, publicado nos EUA em 1970, ainda não tenha sido publicado no Brasil! Como esperar alguma modernidade de nossas escolas de Educação Infantil, quando não há circulação de conhecimentos?

Pode rabiscar, Tia?*

Como pai, tenho sentido muita dificuldade em colocar meus pontos de vista em reuniões – porque arte não é importante para os pais. O que eu digo fica sendo a opinião de um arte-educador. Quer dizer, é importante para mim porque sou professor, não porque seja importante de fato.

Para o pessoal de pré-escola, desde que em alguns momentos se dê desenhos livres, se está fazendo um trabalho de artes, mesmo que a maior parte do trabalho seja desenhos para colorir e exercícios de coordenação motora.

Quis fazer um texto que o arte-educador pudesse levar à pré-escola, argumentando contra as distorções da arte na educação infantil, de uma maneira que o pessoal pudesse entender.

Matisse afirmou certa vez que “o artista deve ver todas as coisas como se as visse pela primeira vez; é preciso ver a vida inteira como quando se era criança; e a perda dessa condição nos priva da possibilidade de nos exprimir de uma maneira original, isto é, pessoal.”

Esse espaço é negado à criança desde muito cedo, através da imposição de modelos e de atividades mecânicas.

Já em 1971, a Escolinha de Arte do Brasil promovia um concurso com o tema Por que não se deve dar à criança desenhos feitos para colorir?. O tema continua atual. Os desenhos para colorir continuam sendo uma das técnicas mais utilizadas na escola de Educação Infantil e no marketing de produtos infantis.

Os desenhos para colorir costumam receber a designação de “exercícios de psicomotricidade”, o que revela uma visão distorcida da psicomotricidade.

Psicomotricidade é uma palavra formada por dois elementos: psique e motricidade, indicando que o comportamento motor não pode ser separado dos outros aspectos da psique.

Colorir desenhos feitos pelo adulto é uma atividade mecânica, que não envolve a inteligência, a sensibilidade e a fantasia da criança e que pode ser considerada – quando muito – um treino motor.

Treino motor é a especialização de um movimento – claro que com prejuízo de outros movimentos possíveis que não são treinados.

O que acontece quando a criança recebe um desenho para colorir? Muitas vezes ela despreza os contornos. Quando presta atenção, acaba limitando sua pesquisa gráfica a dois ou três tipos de traços mais adequados para preencher um espaço.

Os desenhos para colorir também são utilizados como exercícios de fixação de conceitos de tamanho, quantidade, posição etc. Pede-se para a criança colorir a figura grande ou pequena, o conjunto com mais elementos, o que está dentro ou fora, perto ou longe etc. Se a criança não tem o conceito, ela não pode realizar a tarefa. Se ela já tem, o que ela vai aprender colorindo o desenho?

Nem sempre a criança se mantém nos limites do que foi pedido pelo professor. Não porque ela não saiba ou seja distraída, mas porque o fazer artístico tem uma dinâmica que não se restringe ao aspecto cognitivo. E ao ser chamada a atenção sobre sua falha, a criança vai se desestimulando e cada vez mais se afastando da própria expressão pessoal.

O desenho – espontâneo- é uma atividade que integra percepção, pensamento, sentimento e intuição.

Quando o professor pede que a criança só leve em conta o aspecto cognitivo, ele está, na verdade, pedindo para a criança se des-integrar.

De trás para frente

No Brasil, o estudo do desenho infantil se dirigiu mais no sentido do diagnóstico psicológico (personalidade, distúrbios e nível mental) e da terapia, do que da linguagem plástica.

No campo da arte-educação, o estudo do desenho infantil tem seguido as ideias de Lowenfeld e Brittain que, em 1947, publicaram nos EUA o livro Desenvolvimento da capacidade criadora, publicado no Brasil somente trinta anos depois...

Em 1970, Rhoda Kellog publicou, nos EUA, Análise da arte infantil, resultado do exame de aproximadamente 1 milhão de desenhos de crianças entre 2 e 8 anos, de cerca de 30 países, durante 20 anos. (Atualmente, a Coleção Rhoda Kellog de Arte Infantil, pertencente à Golden Gate Kindergarten Association, em São Francisco, possui cerca de 2 milhões de desenhos.)

Para Kellogg, a criança aprende a desenhar através de suas próprias experiências gráficas, sem se importar muito com a realidade.

Para Kellogg, os rabiscos não são uma mera preparação para o figurativismo. Ela ressalta a harmonia e equilíbrio das estruturas não-figurativas do desenho da criança pré-escolar e os coloca como matéria-prima de toda arte.

Uma figura humana desenhada com retângulos, ovais e rabiscos tem muito pouco a ver com a “realidade” – mas mostra a capacidade da criança em criar sua linguagem gráfica a partir de suas próprias experiências.

As ideias de Emilia Ferreiro sobre alfabetização, que valorizam as hipóteses e experimentações das crianças no campo da leitura e escrita, vêm de encontro às pesquisas de Rhoda Kellogg.

Esperamos que o crescente interesse pelas ideias de Emilia Ferreiro (Reflexões sobre alfabetização já está na 25ª edição) possa se refletir numa prática pedagógica que valorize a escrita como expressão – como arte.

Nesse contexto é fundamental o estudo do desenho espontâneo da criança e em especial o livro Análise da arte infantil (Analyzing Children’s Art) de Rhoda Kellogg. Seria muito bom que ele não precisasse esperar mais 20 anos para ser publicado entre nós!


*Trechos de artigo publicado com o mesmo título em diversas revistas de educação, como Jornal da Alfabetizadora, Fazendo Artes e Boletim AESP, nas décadas de 80-90.

Comentários

Maria Ignes Gonzalez disse…
Eu fico sempre tão preocupada com a minha pequena na eszcola que não quero nem saber as atividades. Por mim, se cuidarem dela direitinho, qualquer atividade serve. Sei que eu deveria estar mais atenta as atividades, mas o pessoal da escolina parece saber o que faz, então vou tocando a minha vida que não é fácil, tenho mais dois filhos e trabalho fora.
Giulia disse…
Entendo perfeitamente seu argumento, todo dia sua preocupação se confirma com informações do tipo daquelas divulgadas recentemente pela mídia sobre a escola de Restinga, onde as crianças eram colocadas em sacos de lixo e tinham sua boca tapada "por brincadeira"... No entanto, é preciso entender que tais crimes contra crianças pequenas só são de fato comprovados se a escola possui câmeras de vídeo. Dificilmente, crianças de 3 ou 4 anos conseguem explicar exatamente o que aconteceu na escola ou narrar os fatos com clareza - quem fez o que, quando - e os profissionais sempre negam, dizendo que as crianças são muito fantasiosas. A dica é sempre prestar atenção às variações de humor da criança. Se ela ficar assustada, medrosa chorosa ou deprimida por dias seguidos (não apenas de um dia para o outro) e se recusar a ir para a escola, pergunte a ela. Se ela mostrar medo ou vergonha ao contar alguma coisa que ocorreu na escola, pode ter havido algum fato importante.