Gustavo Ioschpe: novamente, a escola particular


Você acha que as escolas particulares brasileiras são boas? Esse novo artigo de Gustavo Ioschpe na Veja desta semana abre uma boa reflexão. Faltam porém dados para que essa reflexão possa abrir caminhos. Estima-se que entre 10 e 14% das escolas brasileiras sejam particulares. Essa percentagem, certamente, é flutuante porque não se sabe - e talvez não se queira saber - quantas escolas irregulares existem, especialmente na educação infantil. Alô, alô, Inep(t), não está na hora de fazer esse levantamento? Há alguns anos, por exemplo, dizia-se que somente em São Paulo Capital havia cerca de mil "escolinhas" que funcionavam de forma irregular.

Outra questão relevante é o nível de qualidade delas, pois estima-se que as "boas" escolas particulares representem apenas 10% do total. Enfim, no Brasil "estima-se" muito e sabe-se muito pouco, principalmente no que se refere à área educacional.

O próprio articulista faz críticas às melhores escolas particulares brasileiras, onde certamente estudou. Na comparação que ele faz com as escolas de elite no exterior, a diferença não parece estar em maior tempo de estudo, mas em projetos pedagógicos mais inteligentes: estudar Dante ou Shakespeare na base da cópia ou da decoreba não vai fazer diferença alguma!...

Se for verdade que apenas 10% das escolas particulares são boas (difícil duvidar, basta contar os erros de português de alguns trabalhos de graduação e pós-graduação publicados na internet...), como pedir aos pais dos alunos que sejam críticos a respeito da escola dos filhos? Se eles matriculam e mantêm os filhos numa escola ruim, é que não sabem avaliar a qualidade dela, por isso se dão por satisfeitos. São esses que sentem a consciência tranquila por "pagarem" uma escola para os filhos. (Como se a escola pública não fosse regiamente paga com o dinheiro dos impostos de todos nós!)

Existe neste país um apartheid que se forma nos bancos escolares, ao separar os filhos do Brasil em duas classes: os que frequentam a escola pública e os que frequentam a particular. E o ponto mais interessante do artigo de Gustavo Ioschpe parece ser a "satisfação diante da desgraça alheia", que os pais de alunos da rede particular sentem com relação aos filhos "dos outros". Por estarem oferecendo aos seus filhos uma escola "paga", pensam que eles estarão livres de disputarem o vestibular com a grande massa de alunos do país.

Essa é uma teoria que divulgamos no EducaFórum há anos, mostrando inclusive que esses ingênuos pais de alunos de escola particular ruim correm um risco ainda maior do que a defasagem nos estudos dos seus filhos: a rede pública de ensino expulsa alunos a rodo e muitos desses jovens são acolhidos de braços abertos pelo mundo do crime. Leia nosso antigo post Por que não dá na mídia?

Por outro lado, temos também muitos contatos com pais de alunos de "boas escolas particulares", entendendo-se aquelas que cobram mensalidades a partir de R$ 1.000. A maioria desses pais, que costumam ter maior escolaridade, não está satisfeita, reclama e muito, mas a mudança de uma escola para outra parece-lhe um transtorno, porque a impressão é de estar trocando seis por meia dúzia. O próprio artigo aqui comentado parece confirmar essa visão. E assim a vítima costuma ser a criança, obrigada pela escola e pelos pais a fazer mais esforços para atingir as médias exigidas... Pobres crianças ricas, sem mais direito à infância!

Outra colocação interessante de Gustavo Ioschpe é a de se pensar a educação como um problema do país, ou seja, a importância de se preocupar em resolver o problema "de todos". Só o desprezo pelo aluno da rede pública pode justificar uma situação tão cruel como essa greve dos professores em Minas Gerais, que dura 90 dias e é considerada uma vitória da "educação"!

Escarafunchando os arquivos do blog, encontramos um artigo anterior de Gustavo Ioschpe sobre a qualidade da escola particular. Leia aqui: Preocupe-se. Seu filho é mal educado. Nossos comentários sobre esse artigo de 2007 apontavam, como maior diferença entre a escola particular e a pública, a aula vaga, que solapa de 20 a 30% do ano letivo aos alunos da rede pública.

Hoje, 4 anos depois, a percentagem de aulas vagas continua a mesma, mas uma questão foi tomando corpo e tornando a diferença entre a escola pública e a particular ainda maior: a falta de "educação", a violência física e psicológica com que é tratado o aluno da rede pública dentro da própria escola. Hoje, o maior problema não é a proposta educacional falha, o despreparo do professor, do coordenador ou do diretor da escola: é a demonização do aluno, orquestrada pelos sindicatos da "educação" e por toda a mídia, manipulada por eles. Trata-se de uma cortina de fumaça para abafar os casos de violência contra os alunos. Leia aqui: A pobre classe "docente".

Esse tipo de atitude da mídia favorece a rede particular, que se beneficia desse quadro. Hoje, mesmo os pais com baixa escolaridade fazem qualquer esforço para matricular seus filhos numa escola particular "qualquer", pensando em livrá-los da ameaça do bullying que acreditam imperar na rede pública.

Diariamente recebemos denúncias de alunos de escolas públicas, abafadas pelos próprios pais (!!!) por medo das perseguições e represálias que nunca faltam, já que esses pais não têm condições de mudarem seus filhos de escola, a não ser para outra unidade do mesmo bairro, onde as perseguições continuam.

Há anos convidamos os sociólogos brasileiros a fazerem um estudo sobre esse fenômeno que é o apartheid educacional no país, mas parece não haver interesse... Ainda esperamos que a sociedade brasileira possa despertar desse torpor que lhe impede de enxergar o óbvio.

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