Morder a língua? Eu não!...


Adoro um debate de idéias! Se a gente pensar que até algumas “vidas” atrás a gente se matava por qualquer motivo, como aliás ainda ocorre neste planetinha que não toma jeito, olha que progresso: hoje podemos despejar nossas idéias num blog como este ou outro qualquer, e minutos depois aparecem um ou vários comentários a respeito. A grande revolução, a meu ver, é esta: o texto não vem acompanhado de gestos eloqüentes, olhares faiscantes ou tom de voz exaltado, como acontece pessoalmente ou ao telefone. Desta maneira, pensando “um pouco” antes de escrever, a gente consegue evitar conflitos mais sérios.

Estou me referindo ao “debate” travado no blog da Rosely Sayão
http://blogdaroselysayao.blog.uol.com.br entre os dias 13 e 19 de setembro, a partir dos posts Páginas da Vida Escolar e Escola X Família, com um total de 108 comentários mostrando a realidade de cada um que ali se colocou, no papel de mãe ou pai de aluno, professor, profissional da educação etc. Se tivesse acontecido dentro de um auditório, o debate teria provavelmente acabado em pancadaria, mas as características da comunicação via Internet garantiram a manutenção do nível geral das colocações. O curioso é que tudo acabou sendo resumido como se fosse uma “guerra” entre pais e professores, quando o buraco é muito mais embaixo.

O resultado, a meu ver, deu um mosaico interessante que mostra como a escola pública ainda é uma grande desconhecida da sociedade brasileira: cada um conhece um pedaço, como a historinha dos cegos que tentam “entender” um elefante, sendo que um pegou o rabo, outro a tromba, o terceiro a presa e assim por diante. Uma professora atônita desabafa: “Então São Paulo está pior do que os jornais nos informam?”. E o que os jornais informam?... Educação não é assunto que dê ibope e assim cada um só sabe o que ocorre na “sua” escola, no “seu” bairro e mesmo assim sob a “sua” ótica.

Durante essa “guerra” ganhei alguns “inimigos”, o que me faz rir internamente, pois, como disse, adoro um debate! Em algumas colocações eu forcei a barra, para provocar reações e assim entender melhor o que as pessoas sabem e pensam. Afinal, opinião não tira pedaço! Muito pior, a meu ver, é a hipocrisia, a calúnia, a traição...

Para não cansar demais vocês com a minha verborragia, concluo repetindo minhas últimas frases no “debate”:

Eu não vejo uma “guerra” acontecendo entre pais e professores. O que vejo é uma rede pública abandonada à sua própria sorte através de um sistema criado para isso mesmo: para que não dê certo. E os resultados confirmam. A “culpa” é do professor? É do pai de aluno? Claro que não! Mas tem solução, como em todos os países do mundo que conseguiram sair do marasmo. Só que a solução que eu vejo é “amarga” para quem gosta de privilégios: TODO MUNDO na rede pública de ensino! O filho do professor, do diretor de escola, do empresário, do jornalista, do profissional liberal etc. Aí sim, a qualidade melhora! Pois assim a rede pública será realmente para todos e não apenas para os filhos... dos outros.

Comentários

Anônimo disse…
Gostei da sua análise do debate lá no blog da Rosely e mais ainda admiro sua disposição para o debate... Eu já não tenho, me dá uma canseira. Só discordo de você aí no fim quando diz que a "única solução" é todo mundo na escola pública. Acho que não, é como se não pudesse haver qualidade onde houvesse só as classes populares. A questão não é esta separação, mas o costume histórico da nossa sociedade de tratar os pobres com menosprezo e impor a cultura dos "bem-sucedidos" e brancos. Certa vez, um grande amigo e companheiro de luta, que é negro, me disse algo que me fez pensar: "deveria ter uma escola só para os negros, na qual pudéssemos ser nós mesmos, com nossa hístória, nossa cultura, nossas raízes, nossa arte..." Na época, discordei,mas fiquei pensando naquilo... Mais tarde, a monitora lá do meu projeto, que peleja junto comigo para manter as crianças pobres e negras (a maioria é negra) na escola, também me disse: "acho que a gente só conseguiria se houvesse uma escola para os pobres..." Mais me fez pensar, porque ela nem sabia que do que o outro havia falado. Bem, para resumir, faz sentido porque a escola pública é toda feita pelos brancos e classe média, seus valores, seus costumes, sua linguagem, seu "burguesismo", seu complexo de superioridade, sua petulância, seu total distanciamento do povo... só pode dar no que dá: chegam na escola e desprezam aquelas crianças que não são do seu mundo. Se, como você diz, tiver um número de alunos da classe deles na escola pública, de qualquer forma, vão criar uma separação dentro da própria escola. Mas, se ao contrário, a escola fosse como disse a minha monitora "dos oprimidos", poderíamos reinventar uma nova educação sem esses ranços autoritários e excludentes que conhecemos.
Anônimo disse…
Não tem solução, não, Giulia. Você não é brasileira, né? Sorte sua. O Brasil foi feito para ser pilhado, destruído, saqueado. Nunca foi concebido para ser uma Nação em sua plenitude.

E a mentalidade da plebe (esta que supostamente teria forças para mudar o quadro) segue os ditames de uma elite neoliberal nojenta e assassina. Bem, mas apesar disso, pelo menos estamos numa democracia, capenga sim, mas uma democracia. Podemos até falar para nossos alunos que é possível transformar a realidade (não o mundo, ninguém é tão tonto), pelo menos, da sala de aula. Eles querem? Não. Eles deixam? Não. A culpa é deles por isso? Também não, porque ninguém pode com o aparato ideológico do capitalismo que diz: "Você é um lixo porque você estuda aqui. Você não tem futuro proque você não estuda numa escola particular. Você não é nada porque você não consome as novidades." Quem pode com esse discurso?
Giulia disse…
Glória e Rodrigo,vou tentar esclarecer minha posição de "estrangeira", que aliás é bastante incômoda, pois cheguei neste País na época do "Brasil: ame-o ou deixe-o" (Rodrigo, você é muito jovem para saber o que é isso) e já fui várias vezes "convidada" a voltar para a "minha terra". Quando eu falo: todo mundo na escola pública, estou mais uma vez provocando, pois na verdade eu só pretendo que o assunto seja discutido. Só discutindo se chega a algum denominador comum e é disso que o Brasil precisa para acabar com a REALIDADE de ser o "país dos privilégios". Escola pública não significa uma escola IGUAL para todos: significa ter igualdade de condições na educação. Por exemplo: na Itália qualquer criança pode freqüentar uma escola de padres ou freiras, como seriam aqui o Pueri Domus ou o Arquidiocesano. Lá, trata-se de escolas particulares, como aqui, mas a mensalidade é simbólica, algo como trinta pratas por mês. Vocês podem dizer: mas aqui tem famílias que não podem pagar trinta pratas. Sem dúvida, mas lá, se um patrício for realmente católico (e é por esse motivo que os pais costumam colocar seus filhos numa escola católica na Europa) e não puder pagar, os padres dão bolsa integral, aqui dão um chute na bunda. Na Alemanha, qualquer criança pode freqüentar uma escola da pedagogia Waldorf, que é também particular, mas o custo é ínfimo. Por quê? Porque o objetivo não é a ganância. Isto não significa que o povo brasileiro seja mais ganancioso, mas sua elite certamente é. (E agora eu que te pergunto, Rodrigo: a elite brasileira é "neoliberal"?) Então não é difícil: precisa desmascarar os donos do Brasil e bater muita panela, eu já tentei e desisti, para não ser de novo convidada a... voltar para a minha terra... sendo que minha terra é esta mesmo, que tem um povo maravilhoso afogado em preconceitos e desesperança. Agora tô aqui neste blog, muito satisfeita, porque daqui...ninguém me tira!
Giulia disse…
Relendo as baboseiras que escrevi, quero deixar claro: não estou fazendo a apologia da privatização, muito ao contrário!!! A esmagadora maioria das escolas de ensino básico na Europa e nos Estados Unidos são públicas, o que eu quis mostrar é que ATÉ as particulares são de fácil acesso e que se os pais, por exemplo, têm simpatia pela pedagogia Waldorf, católica ou outra "alternativa", as escolas são de fácil acesso. Então, "todo mundo na escola pública" significa uma escola de ensino básico de qualidade para todos. A questão da universidade a gente ainda tem muito para discutir, inclusive porque é bem "coerente" que,neste País, o governo gaste mais no ensino superior do que no básico...
Frederico disse…
Olha, eu gostaria muito de falar mas não tenho (ainda) filhos, já saí da escola há "alguns" anos e nem sou professor (embora vez por outra me perguntem alguma coisa). Ah! minha mulher é professora de matemática, da 5a série pra cima. Mas dá aulas no ensino privado, numa escola AAA daqui do Rio (e aulas, muitas aulas, particulares também). ALIÁAAAAAS, tem algum professor de matemática aí a fim de trabalhar no Rio? as condições são as MELHORES...(fgarschagen@gmail.com) Abraços para todos.
Giulia disse…
Olá, Frederico, seja benvindo! Você é do Imbroglio Carioca? Acho uma graça seu blog! Pois é, você deu uma informação importante para mim... como mãe, pois tenho um filho no terceiro ano de matemática da USP e pelo andar da carruagem, ele vai ser mesmo é... professor. Mas nós aqui estamos em Sampa. Se você me diz que um prof de matemática no Rio é bastante valorizado, vou mandar ele preparar a malinha dele depois de formado! rsrs Vamos trocar figurinhas? Te escrevo em seu e-mail. Abraço!
Anônimo disse…
Giulia, o Brasil inteiro é neoliberal. É uma praga. É uma religião. Pobres e ricos, pretos e brancos, ateus e crentes. TODOS. Macaqueamos os EUA sem ter resolvido nossas questões primordiais: saúde e educação, trabalho e distribuição de renda.

Que bom que gosta do Brasil e dos brasileiros. Já leu "O povo brasileiro" do falecido antropólogo e também educador Darcy Ribeiro? Acho que sim. Então, lá, você sabe, mesmo ele escrevendo com esperança de que um dia seremos uma grande nação, mesmo assim fica claro que não temos jeito.

Mas, digo ainda: mesmo não tendo jeito, eu não sei o que tem em mim que eu não desisto de tentar ao menos mostrar para as pessoas que nossa mentalidade precisa ser mudada. E que é pela educação, pela arte e pela sensibilidade advinda desta que ela pode mudar, até a um patamar em que possamos alcançar o verdadeiro conceito de justiça.

abraços
Rodrigo

Abraços
Giulia disse…
Mas, Rodrigo, como "não temos jeito"??? Que que é isso? O mundo não se desenvolveu a partir da descoberta do Brasil, veja a história da humanidade, quantas idas e vindas, quantas voltas já demos! Mas eu ainda acho que seu problema é a "impaciência juvenil", rsrs (Falou a vovozinha chata!) Eu acho que se esses assuntos fossem discutidos na escola, as pessoas e o País teriam tudo a ganhar. Mas não: aula de história é aquela coisa chata de decoreba e sem nexo com a realidade. Tá vendo que no fundo tudo vai mesmo da educação? E penso que você precisa chegar a um acordo consigo mesmo, pois no outro extremo falou a coisa mais sensata: é preciso mudar a mentalidade. Realmente um país unido se constrói com uma opinião pública coerente. Isto não significa que TODOS vão pensar da mesma forma, mas que a maioria terá afinidade de pensamento e tolerância para com as minorias. Por enquanto, vejo o Brasil como um país bastante dividido...
Anônimo disse…
Rá Rá!!! Dividido, esta é a palavra. O Brasil nunca esteve tão dividido. Aí já é um problema político de um tempo sombrio. Mas eu nem ouso tocar neste questão. Apesar de quê, você já deve saber que não voto em neoliberais nem morto.

Meu problema não é tanto a impaciência juvenil, Giulia (afinal, com trinta anos, mesmo que a gente não queira, a gente acaba crescendo e assimilando nossas experiências juvenis estúpidas e também as bacanas). O caso é que a Argentina e o Chile têm praticamente a mesma idade que o Brasil e estão avançando! Por que a gente não avança também? Daí a minha tese: porque temos, independente de qualquer governo, uma mentalidade destrutiva, violenta, submissa e conservadora, tudo ao mesmo tempo. Meus alunos são assim (e eles são os menos culpados), seus pais são assim, alguns dos meus colegas também são. Veja, já passei por várias escolas e na grande maioria delas, até a SALA DOS PROFESSORES É IMUNDA de pedaços de pão, manchas de café sobre a mesa, papeletas e rebarbas de caderno espalhadas... Na sala dos professores, discute-se as mais absurdas bobagens, tudo para fugir de questões nobres e intelectuais, como um bom programa pedagógico, a busca de uma alternativa à sala-lousa-professor-giz-cópia, o problema da política educacional etc.

Tenho ou não razão de estar desiludido?

Abs
Giulia disse…
Rodrigo, você consegue ser mais pessimista do que todos nós que "levamos na cabeça" durante tantos anos! E tocou num ponto crucial: a sala dos professores costuma ser o retrato do desinteresse da classe docente, o lugar onde geralmente só se faz fofoca... Mas você generaliza demais: existem excelentes professores, sim, e também algumas escolas conseguem sobreviver ao nivelamento por baixo. Quando estava falando de Osasco, é que conheci uma professora que está conseguindo tirar leite de pedra dos seus alunos. Fiquei impressionada com o seu envolvimento e entusiasmo. Se quiser, te passo o contato por e-mail. Acho que você precisa de uma injeção de ânimo, pois parece que você está enfronhado num verdadeiro antro, a começar pela diretora da sua escola, que "te proibiu" de manter um blog! Gente, o que que é isso?! Veja como funciona o autoritarismo!! E quando se fala em "elite", no Brasil, uma diretora de escola está muito bem inserida no contexto. Tente descobrir qual a carapuça que ela está usando...