Vanguarda na escola pública


A Revista Nova Escola deste mês traz artigo do educador da USP Luiz Carlos de Menezes, que afirma existir na escola pública uma "vanguarda" que combate a desigualdade e promove a democracia. Sabemos bem disto, pois muitos de nós que tivemos filhos estudando na rede pública conhecemos algum desses professores de "vanguarda", que sabem adaptar seus conhecimentos ao entendimento do aluno e à realidade local, permitindo que a VIDA se torne objeto de estudo. No artigo, copiado abaixo, Menezes diz que "o povo sabe o que é bom para seus filhos". Sabe, sim! Até o pai analfabeto se encanta quando o filho chega em casa com os olhos brilhando e, assim do nada, começa a relatar o que aprendeu na escola. Mas, infelizmente, esses casos são MUUUUITO raros e acabam não vingando dentro das escolas, pois o maior instrumento da perversidade do sistema é o desinteresse e a rotatividade de professores e diretores dentro das "melhores" escolas, que em pouco tempo podem se tornar as "piores" ou até ser fechadas. Lembro com saudade da professora Elisa, de história, que dava aula para meu filho no Ensino Médio. Logo no início do ano letivo, eu ouvia relatos entusiasmados sobre suas aulas e me perguntava: "o que faz um adolescente, nessa idade em que eles fogem da escola como o diabo da cruz, se interessar tanto por uma aula?". Resolvi ir conhecer a Elisa pessoalmente e também me encantei. O que ela aplicava na escola era o PEI (Projeto de Enriquecimento Instrumental) e a interdisciplinaridade. Mas isso não era o mais importante, pois muitos professores aplicam teorias e mais teorias, sem despertar qualquer interesse no aluno. E os alunos da Elisa sabiam que ela estava interessada neles e em suas vidas. Mas, evidentemente, ... a escola é que não estava interessada no projeto da professora Elisa, que foi desprezado pelo corpo docente e não vingou dentro da escola, apesar do esforço pessoal da professora, que passava suas horas livres dando oficinas para os poucos colegas
E ATÉ PARA OS PAIS interessados. Participei dessas oficinas e nunca ouvi a Elisa se queixar de salário ou de condições de trabalho. Hoje essa escola, que poderia irradiar competência e conhecimento para toda a rede pública de São Paulo, foi sumariamente fechada pelo Governo do Estado. Sem ulteriores comentários.

Devido ao interesse de algumas pessoas, incluí nos Textos do EducaFórum (link do lado esquerdo da página) um artigo que escrevi sobre o PEI em 2000, quando ainda esperava que o projeto fosse adotado pela escola do meu filho. O que eu nunca poderia imaginar, naquela época, era que a escola viesse a ser fechada, alguns anos depois...

Lições de democracia
Luiz Carlos de Menezes

Nas eleições se valoriza a Educação. Digo isso sem sarcasmo, mas para lembrar que eleição tem a ver com democracia e que ela não é promovida igualmente em nossas escolas. Recebe uma Educação melhor quem já tem boa situação social e econômica, enquanto os mais carentes contam com poucas oportunidades de vida cultural e dificilmente conseguem uma formação escolar que os faça sair dessa condição. Esse círculo vicioso tem raízes históricas e enquanto não for superado continuará a aprofundar desigualdades. Entre os que ousam enfrentá-lo, há professores e escolas que, em circunstâncias difíceis, conseguem dar um ensino de qualidade a seus alunos, garantindo-lhes esse direito social. Sua ação precisa ser compreendida e valorizada, para que mais de nós nos juntemos a esse bom combate.


Ao visitar escolas por todo o país, nas quais aprendo e me emociono, reuni alguns belos exemplos: uma alfabetizadora na Amazônia que chega de barco à sala de aula, ensina os nomes das plantas e bichos do rio Negro, coleciona e registra lendas regionais com as crianças e as compara com lendas de outros povos; uma professora de Biologia no interior de Goiás que investiga com seus alunos a incidência local de doenças como câncer de pele ou mal de Chagas, e juntos ajudam a comunidade a se prevenir; um professor de Geografia no sertão nordestino que analisa com sua turma o problema das migrações com base em relatos de suas famílias; um professor de Ciências na periferia de São Paulo que é cercado no corredor pelos estudantes para discutir os desafios propostos em classe.

Há mais exemplos do que cabe neste espaço, mas todos têm o propósito de desenvolver a cultura dos estudantes, pois não lhes basta informar sobre "a cultura dos outros". Por isso, partilham saberes universais, mas também os exercitam nas condições reais e com base nos interesses dos jovens e de suas comunidades. Promovem conhecimento com diversidade e contexto, quando a cultura científica, humanística, artística e literária ultrapassa os limites do discurso e sai dos livros para os desafios da realidade vivida. Essas práticas criam um ambiente de participação, em que preferências e perspectivas de alunos e professores não se separam da vivência escolar.
Nessas boas escolas, o que acontece em classe é resultado do projeto pedagógico, um compromisso educacional explícitoe não um documento de gaveta.
Em Brasília, Contagem, Fortaleza, Osasco, Pelotas ou onde mais estejam, elas são muito procuradas, pois o povo sabe o que é bom para seus filhos. Seus diretores e diretoras não são meros burocratas, mas estão atentos à qualidade e regularidade das aulas, à disponibilidade dos recursos e ao envolvimento da comunidade nas questões escolares.

O acesso de todos à formação e à cultura, tão essencial à democracia, não surge de forma espontânea nas escolas, mas da iniciativa de colegas, professores como você e eu. Pode parecer trabalhoso, mas basta questionar o que falta para promover aprendizado com contexto e um clima de participação em classe (se isso não está disponível, reclame condições para tal). Também é muito simples discutir com os colegas e estudantes as atividades a desenvolver. Assim, as ações em sala de aula ganham sentido e promovem a diversidade, tornando mais prazeroso o trabalho - e ampliando seu alcance.

Luis Carlos de Menezes - e-mail pensenisso@abril.com.br
É físico e educador da Universidade de São Paulo e acredita que só com atividades diversificadas o professor constrói pontes para unir esse nosso mundo desigual.
"Os bons projetos partilham saberes universais, mas também os exercitam nas condições reais."

Comentários

Anônimo disse…
Hey, não sabe que, aqui no Brasil (a senhora é alemã, anh?), é terminantemente proibido falar mal do governo do Estado de São Paulo, minha senhora?! Como ousa?! Como teve a audácia?! :o

Gostaria de saber mais sobre o Projeto de Enriquecimento Instrumental, Giulia, e também saber onde e como será que está a professora Elisa.

Abraços
Rodrigo
Giulia disse…
Rodrigo, falo "mal" do governo do Estado de São Paulo desde que começou a fechar as 180 escolas que exterminou. Antes de fechar a dos meus filhos, que ficava no Campo Belo, já haviam fechado outra no Brooklin, bem pertinho. Os terrenos são muito caros nessa região e o negócio deve ter sido muito rentável. Afinal, dinheiro vale mais do que alunos, não é?...
Sobre o PEI, escrevi um texto no ano 2000, que você ainda pode acessar no finado site do EducaFórum, que ainda está no ar por obra do "Espírito Santo". Entre no link do lado esquerdo do blog e procure a página "Veredas". O texto tem o título de "Projeto revolucionário e competente". Quanto à professora Elisa, perdi os contatos há anos. Se você tiver espírito de sherlock, pode tentar localizá-la na rede, afinal vocês são colegas. Se a encontrar, mande um grande abraço! A finada escola dos meus filhos é a EE Manoel de Paiva. Boa sorte!
Giulia disse…
Rodrigo do Céu! Acabo de dar uma olhada no tal texto que escrevi sobre o PEI em 2000 e percebi que eu havia trocado o nome da escola. Que ato falho! O nome correto é o mesmo do comentário acima: EE Padre Manoel de Paiva (aliás, havia esquecido o "padre"). De qualquer forma, a escola foi fechada mesmo, portanto tanto faz como fez. A tal EE Manoel da Nóbrega, que mencionei equivocadamente no texto, ainda existe, mas fica numa região totalmente diferente da cidade.
Anônimo disse…
Giulia, governos neoliberais vendem escolas públicas mesmo. Quero dizer, vendem escolas públicas de bairros nobres. Porque, segundo a lógica, quem mora em bairros nobres pode pagar escolas privadas. Não é bacana essa lógica? Não são inteligentíssimos os economistas e os defensores desta política?

Giulia, seria meio difícil procurar a professora, pois sou da região do ABC. A vida é assim, algumas pessoas maravilhosas somem da vida da gente enquanto vão surgindo mais e mais gente mediocre.
Giulia disse…
Não agüento seu pessimismo! E para não ficar só nos "governos neoliberais" (se é que você sabe do que está falando, pois eu não entendo bem esse conceito...), saiba que a Dona Marta Suplicy também fechou montes e montes de turnos e classes, além de ter reduzido o mínimo constitucional de aplicação das verbas do ensino de 30 para 25% e deixado de pé todas as escolas "de lata" que o Pitta construiu. Como diz uma psicóloga por aí, estamos com "stress ideológico". Mas não vamos nos render, né?
Anônimo disse…
O que eu tenho que ver com a Marta Suplicy?
Giulia disse…
Nada que eu saiba! Mas então ela também é "neoliberal"? Que salada ideológica, hein? rsrs
Anônimo disse…
Não, Giulia, não há salada ideológica nenhuma. É fácil separar as coisas. É verdade, sim, que o Lula e o PT tiveram de fazer um "pacto" com o neoliberalismo (é o mercado quem dá as cartas na política também). Mas isso é bem diferente dele e do partido "serem" neoliberais. Ainda assim, com o pacto, ele não conseguiu governar nem ela conseguiu se reeleger.

Não estou informado no momento sobre o fechamento das escolas na gestão da Marta, por isso, não posso defendê-la nem criticá-la. Lembro-me de ter lido isso na época. Mas, você que está e estava mais informada do que eu sobre esse assunto, tem mais é que espalhar por aí mesmo e detoná-la. Talvez, o que tenha acontecido é a grana ter chegado apenas para a vitrine da gestão, os CÉUs. E aí também reside uma diferença entre as "vitrines" de um partido não inclinado ao neoliberalismo e de outro neoliberal total: um constrói escolas o outro constrói um anel viário interminável, desde 1994 e vai limpando o rio Tietê desde 1986, sem resultados!!!

Mas, se você quiser mesmo acabar com suas dúvidas sobre o neoliberalismo, é fácil. Este artigo que estou te passando conta a história desta tendência, de uma maneira bem concisa. Preste bem a atenção quando a autora fala sobre a política implantada pela Margareth Thatcher, na década de 1980, sobre como o povo vivia naquela época e sobre como vive hoje (e isto no primeiro mundo, onde a distribuição de renda ao longo da história conseguiu ao menos ser mais justa). Veja bem como era a visão de mundo da primeira-ministra, o que ela pensava sobre a competição entre as pessoas. Perceba também como os neoliberais tratam a COISA PÚBLICA, por que eles ignoram os programas sociais e qual a porcentagem de pessoas que são beneficiadas pelo programa neoliberal. Agora, o mais interessante do artigo é a denúncia de lavagem cerebral feita pelos ideológos desta doutrina.

Assim, se você luta mesmo por uma educação pública de qualidade é melhor começar a compreender este fenômeno. Sem um combate a ele, nada poderá ser feito em relação aos serviços públicos, além de denúncias e reclamações. Porém, Giulia, uma crítica ao neoliberalismo não significa a pregação do fim do capitalismo em si. Talvez seja por isto que você ria de mim. Não quero acabar com o capitalismo! O que ele precisa é ser mais humanizado, como acontece com os países que experimentam (Suécia até hoje) e já experimentaram o Estado de Bem Estar Social.

Bem, chega de prosa. O texto que te falei está em inglês e pode conter algumas expressões em economiquês, mas nada que um dicionário não resolva.

E, ah, por favor, não procure o verbete na Wikipedia brasileira, nunca!!! Os caras lá emitem juízo de valor e usam a primeira pessoa, como já tive oportunidade de corrigir. Além disso, os textos são péssimos. Isso significa que nossos aspirantes a economistas são parciais e escrevem mal.

Aqui está o endereço

http://www.globalpolicy.org/globaliz/econ/histneol.htm

Abraços.
Rodrigo
Anônimo disse…
Não, Giulia, não há salada ideológica nenhuma. É fácil separar as coisas. É verdade, sim, que o Lula e o PT tiveram de fazer um "pacto" com o neoliberalismo (é o mercado quem dá as cartas na política também). Mas isso é bem diferente dele e do partido "serem" neoliberais. Ainda assim, com o pacto, ele não conseguiu governar nem ela conseguiu se reeleger.

Não estou informado no momento sobre o fechamento das escolas na gestão da Marta, por isso, não posso defendê-la nem criticá-la. Lembro-me de ter lido isso na época. Mas, você que está e estava mais informada do que eu sobre esse assunto, tem mais é que espalhar por aí mesmo e detoná-la. Talvez, o que tenha acontecido é a grana ter chegado apenas para a vitrine da gestão, os CÉUs. E aí também reside uma diferença entre as "vitrines" de um partido não inclinado ao neoliberalismo e de outro neoliberal total: um constrói escolas o outro constrói um anel viário interminável, desde 1994 e vai limpando o rio Tietê desde 1986, sem resultados!!!

Mas, se você quiser mesmo acabar com suas dúvidas sobre o neoliberalismo, é fácil. Este artigo que estou te passando conta a história desta tendência, de uma maneira bem concisa. Preste bem a atenção quando a autora fala sobre a política implantada pela Margareth Thatcher, na década de 1980, sobre como o povo vivia naquela época e sobre como vive hoje (e isto no primeiro mundo, onde a distribuição de renda ao longo da história conseguiu ao menos ser mais justa). Veja bem como era a visão de mundo da primeira-ministra, o que ela pensava sobre a competição entre as pessoas. Perceba também como os neoliberais tratam a COISA PÚBLICA, por que eles ignoram os programas sociais e qual a porcentagem de pessoas que são beneficiadas pelo programa neoliberal. Agora, o mais interessante do artigo é a denúncia de lavagem cerebral feita pelos ideológos desta doutrina.

Assim, se você luta mesmo por uma educação pública de qualidade é melhor começar a compreender este fenômeno. Sem um combate a ele, nada poderá ser feito em relação aos serviços públicos, além de denúncias e reclamações. Porém, Giulia, uma crítica ao neoliberalismo não significa a pregação do fim do capitalismo em si. Talvez seja por isto que você ria de mim. Não quero acabar com o capitalismo! O que ele precisa é ser mais humanizado, como acontece com os países que experimentam (Suécia até hoje) e já experimentaram o Estado de Bem Estar Social.

Bem, chega de prosa. O texto que te falei está em inglês e pode conter algumas expressões em economiquês, mas nada que um dicionário não resolva.

E, ah, por favor, não procure o verbete na Wikipedia brasileira, nunca!!! Os caras lá emitem juízo de valor e usam a primeira pessoa, como já tive oportunidade de corrigir. Além disso, os textos são péssimos. Isso significa que nossos aspirantes a economistas são parciais e escrevem mal.

Aqui está o endereço

http://www.globalpolicy.org/globaliz/econ/histneol.htm

Abraços.
Rodrigo
Giulia disse…
Oi, Rodrigo, talvez você tenha a impressão de que estou te provocando, mas juro que não é verdade! rsrs É que nunca segui "ismos", sou uma pessoa muito pé-no-chão. Respeito quem tem uma ideologia, mas não é o meu caso. Acredito no ser humano, no bom senso e na solidariedade, desde que esse "ser humano" já tenha despertado para esses sentimentos. Essa é a minha "ideologia" feijão-com-arroz: tem o ser humano que só olha para o seu umbigo, aquele que começou a perceber que não está sozinho e aquele que tem prazer em compartilhar e participar. Mas infelizmente é tudo muito relativo e mesmo aquele que parece despreendido pode ir para o extremo oposto se o poder lhe subir à cabeça. A história está cheia desses exemplos...
Anônimo disse…
Giulia, eu não tenho a impressão de que está me provocando, não. Gosto de debater, e se estou por aqui é porque estou com você.

Como você disse que não entendia bem o conceito de neoliberalismo, então eu te mostrei o texto da Carta Capital na escola deste mês (uma matéria sobre consumismo), e este artigo, infelizmente em inglês, sobre a história da doutrina. Eu só insisto que ela tem uma parcela grande de culpa no problema da educação.

Abraços
Rodrigo