O futuro do Brasil


Este modesto blog é um pequeno espaço privilegiado para onde aportam mensagens que nos fazem acreditar no futuro do Brasil. Não todas elas, é claro. Algumas mensagens são tão desesperançadas que nem sabemos por onde começar a ajudar. A mensagem mais surpreendente que já recebemos é do Fernando, um garoto de 20 anos com a maturidade que muito adulto sonharia ter. Ele nos contatou com um problema muito sério, mais um problema do ProUni, justamente logo depois que acabamos de ajudar a resolver outro. O relato do Fernando mostra claramente a falta de respeito com que são tratados nossos jovens em certas faculdades particulares, onde o ensino não passa de mercadoria. E também mostra a falta de fiscalização de um governo que cria um projeto de inclusão e permite que os jovens sejam novamente excluídos, de forma ainda mais perversa. Mas Fernando reagiu a toda essa situação com uma atitude corajosa, inteligente e positiva: enviou uma mensagem ao ProUni e ao MEC relatando os dois anos de decepção que passou em um curso constantemente sucatado, e sua vontade de continuar os estudos numa Universidade séria, que o respeite como aluno interessado e aplicado. Recebemos do Fernando uma cópia do e-mail que enviou às autoridades e temos o prazer de publicá-lo aqui, para que vocês se deleitem com a inteligência e a lucidez de um jovem da periferia, um desses tesouros que o Brasil guarda e não revela, pois a quem interessa a vida de garotos que fazem das tripas coração para cursar uma universidade que não podem pagar? Entrar e permanecer numa boa universidade, neste País, depende do cifrão e não da vontade ou do interesse. Esses garotos que saem do Colégio Bandeirantes, do Pentágono, do Santo Américo e muitas vezes entram na USP somente por pressão de papai e mamãe, que sabem eles do Brasil, no que vão contribuir com o País?...
Apesar de Fernando ter enviado sua mensagem diretamente ao ProUni e ao MEC, aproveitamos a oportunidade em que fomos agradecer a solução do problema anterior (veja nosso post “Segunda vitória do ano”, de 30/01), para reencaminhar seu e-mail ao presidente do ProUni, Wilson Picler, e ao Ministro Fernando Haddad, pois entendemos que esse jovem merece a oportunidade de estudar em uma faculdade que esteja à altura de sua inteligência e senso crítico. São jovens como o Fernando que realmente podem transformar o Brasil numa Nação, pois conhecem sua realidade e têm a coragem de reagir aos abusos.
Numa época em que se divulgam somente desgraças ou bundas, seja porque abundam, seja porque “vendem jornal”, é enorme o prazer de descobrir a existência de garotos como o Fernando, mesmo em uma mídia alternativa como esta, mas que atrai leitores inteligentes e cansados de obviedades.
Segue o texto da mensagem do Fernando às autoridades, que esperamos tenham a competência de entendê-la em todos os pormenores. Mas esperamos principalmente que essas autoridades tomem a si a responsabilidade de resolver o problema desse brasileiro que só deseja o que a Constituição lhe garante: igualdade de condições entre seus pares.

Meu nome é Fernando Matias de Siqueira e recebi uma bolsa do ProUni em 2005 para cursar Ciências Sociais no centro Universitário Sant'Anna, zona norte da capital de São Paulo. A conclusão do curso estava prevista em 8 semestres (diploma de Licenciatura Plena em Sociologia no final do 6º semestre e Bacharelado em Ciências Sociais no fim do 8º). Iniciamos a turma com 20 alunos no 1º semestre de 2005, quando ocorreu uma "crise" na Universidade: os professores não estavam sendo pagos e iniciaram uma greve que resultou na demissão de alguns deles, dentre estes o Coordenador do Curso de Ciências Sociais. A Universidade solucionou o problema adotando uma nova "filosofia" para reger as relações acadêmicas: cursos que eram de Licenciatura e Bacharelado passaram a ser somente de Licenciatura, com conclusão em 6 semestres; deixou de ter um coordenador por curso e passou a ter coordenadores de área: um para os cursos de Bacharelado, outro para os cursos de Licenciatura. Nosso curso ficou sob a supervisão do Coordenador dos cursos de Licenciatura. Ao mesmo tempo, houve alterações na grade curricular: algumas disciplinas foram eliminadas, outras tiveram diminuição da carga horária. Os alunos que tinham condições transferiram-se para outras Universidades, outros saíram por motivos pessoais. O que importa é que iniciamos o 3º semestre (2006) com apenas 10 alunos, sendo que nesse mesmo semestre 3 alunos desistiram. Os 7 alunos restantes permaneceram durante o 3º e 4º semestres, mas houve novas e inesperadas modificações na grade. O fato é que o curso que iniciamos em 2005 não era o mesmo que cursamos em 2006: além das mudanças na grade curricular, já estávamos cientes de que o curso terminaria em 2007. Faltavam só o 5º e o 6º semestre para que concluíssemos o curso de Licenciatura em Sociologia, depois estaríamos disponíveis para novos projetos. Fizemos a rematrícula no final do ano, mas no dia 31 de janeiro recebemos a notícia de que não haverá, no ano de 2007, o 5º semestre de Ciências Sociais no Centro Universitário Sant'Anna, sob a alegação de que não existe a obrigação de manterem cursos com poucos alunos, que não proporcionam lucro. Para "solucionarem" esse impasse oferecerem-nos as seguintes propostas:


1. aguardar até o ano que vem (2008) e cursar o 5º e 6º semestres com a turma que este ano está matriculada no 3º e 4º, com número "expressivo" de alunos;

2. ou, para não ficarmos sem estudar, cursar o 7º e 8º semestres este ano (2007) junto com os alunos de Geografia, que seria corresponde ao curso de Bacharelado, e voltar em 2008 para concluir a Licenciatura.

Alguns dos alunos aceitaram a proposta, sobretudo por temerem ficar um ano sem estudos. Contudo, me recuso a tanto. Não basta terem deturpado totalmente o curso inicial, não basta ter-nos feito aceitar somente o curso de Licenciatura, agora nos tiram a Licenciatura e querem que façamos Bacharelado?? Esta proposta é um tanto incompreensível. Também acho loucura ingressar no 7º e 8º semestres com uma turma de outro curso, para no ano seguinte retornar ao 5º e 6º! Nem sei mais em que curso estou inscrito, pois na verdade no momento não há curso a não ser que nos submetamos a tal disparate! No site do ProUni, na seção informações ao bolsista, subseção transferência, consta:

Excepcionalmente, poderá haver transferência nos casos decorrentes de extinção de curso ou habilitação.

Peço ao ProUni que possibilite-me a transferência para outra Instituição, pois, sendo bolsista do Programa, estou sob a tutela do Governo Federal, inclusive para a manutenção da bolsa, que depende do meu desempenho acadêmico. Neste sentido, acredito ter superado as expectativas, em vista da grande defasagem que trouxe para o curso superior, pois sempre fui aluno da rede pública.
No 2º semestre do curso de Sociologia estudamos um dos textos de um pensador fundamental para o desenvolvimento desta disciplina, que diz a seguinte frase: “O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”. Recuso-me a acreditar totalmente nisto, pois vejo grandes qualidades no Programa Universidade para Todos – senão não estaria escrevendo esta carta. Muitas pessoas foram beneficiadas, inclusive eu, pois nunca teríamos tido acesso ao ensino superior. Por isso somos agradecidos. Contudo, não podemos nos submeter aos constrangimentos e humilhações que nos estão sendo impostas. Por este motivo, solicito a oportunidade de transferir-me para outra instituição que respeite meu desenvolvimento acadêmico e meu esforço para acompanhar as exigências intelectuais do curso. Gostaria de ter a oportunidade de ser matriculado no 5º e 6º semestres, em curso compatível, em outra Instituição de Ensino.
Também gostaria que esta minha mensagem servisse de informação e alerta para uma situação que pode não ser muito rara. Eu tive a persistência de procurar um caminho e uma solução, mas talvez outros alunos não tenham a mesma iniciativa. Como cientista social que pretendo tornar-me, entendo que o MEC deveria investigar a forma como este projeto está sendo desenvolvido, a fim de prevenir problemas futuros e torná-lo cada vez mais eficiente.

Agradeço a atenção e aguardo resposta.
Atenciosamente,
Fernando Matias de Siqueira.

Comentários

@David_Nobrega disse…
Giulia,

Vou "roubar" este texto e indicá-lo para leitura lá em casa, visse?
Zé Costa disse…
O que mais me espantou foi a clareza e a coesão no texto, caso raro, inclusive entre universitários.

Esse Prouni é uma farsa!
Giulia disse…
Costa Jr, não é mesmo um espanto esse garoto??
Quanto ao programa, ele não funciona, pois deveria fiscalizar os cursos e não o faz. Aliás, as vagas que as universidades oferecem ao ProUni são do tipo "fim de feira". Isso está claro, pois veja que no mesmo mês recebemos duas denúncias de fechamento de cursos. Não é absurdo que se faça apenas a avaliação do aluno e não a do curso?... Um duplo parabéns ao Fernando por trazer essa informação. Os colegas pagantes dele deixaram barato...
Ricardo Rayol disse…
Para um absurdo desses não só é necessário um protesto no MEC mas entrar com uma ação cível de perdas e danos contra a "Universidade". Tenho certeza que algusn leitores aqui são advogados e poderiam ajudá-lo. Fogo neles.
Saramar disse…
Giulia, se esta não é uma história de horror, não sei o que mais seria.
Como disse o Fernando, em sua excelente e muito bem redigida mensagem, isso não deve ser raro neste pobre país.
O MEC, por acaso, não mecanismos para corrigir a situação apresentada e excluir essa "escola" dos seus programas?
O PROUNI afinal, destina-se a beneficiar os alunos ou as universidades privadas?
Mais uma vergonha para o infinito rol de vergonhas do Brasil.
Giulia disse…
Saramar, a prova de que a situação não é rara está no caso anterior (veja o post de 22/01), que relata uma situação ainda pior: o aluno não pôde freqüentar o curso no ano passado por ter conseguido a bolsa no Anglo Latino,longe demais de onde mora. Então deu baixa da vaga e este ano foi novamente à luta, conseguiu a bolsa em lugar próximo, mas teve tremendas dificuldades burocráticas porque o Anglo Latino estava para ser demolido (!) e seu nome ainda constava como aluno (!). Aliás, o curso já havia sido extinto EM MEADOS DO ANO PASSADO, coisa que ele não ficou sabendo pois já havia dado baixa da vaga. Dá para acreditar numa história como essa?! Nem nós acreditaríamos, se o aluno não nos tivesse procurado. Esse é o famoso fenômeno dos "alunos-fantasmas", que continuam "matriculados" para beneficiar as instituições de ensino, já que recebem os benefícios pelo número de alunos...
Então, veja, nem sempre conseguimos ajudar as pessoas que nos procuram, mas pelo menos conseguimos revelar fatos "inéditos". Nada disso dá ibope e a mídia tem coisas "mais importantes" para se preocupar. Também nunca conseguimos apoio jurídico para nossos casos: os advogados "orientam" pra entrar no MP, já entramos com casos cabeludos e nunca deu em nada. Participei dois anos da Comissão de Direitos Humanos da OAB e saí de lá horrorizada (parece que minha carta de demissão nunca foi lida em plenário...), ao ver todos aqueles advogados engomadinhos dar uma banana para quem precisava de sua ajuda. É só blá-blá-blá mesmo. Ainda bem que temos Seu Creysson aqui pra nos animar, rsrs.
MariEdy disse…
Acho que o negófio é contabilizar o número de jovens que entraram na facu pelo ProUni. Completar curso? Que é isso, companheiros!!
Quanto ao rapaz, está escrevendo melhor que muito jornalista!!