Só não alfabetiza quem não quer


Sensacional matéria publicada pela revista Nova Escola http://revostaescola.abril.com.br/ mostra que só não alfabetiza quem não quer. A matéria de capa deste mês apresenta o trabalho da professora Mariluci Kamisaka, que dá aula na EE Maria Odila Guimarães Bueno para uma turma de 31 crianças da favela Heliópolis, em São Paulo. Mariluci declara que, até o final do ano, terá alfabetizado TODAS elas. No final do primeiro semestre, metade da turma já estava na fase alfabética, ou seja, as crianças conseguiam representar cada fonema por uma letra. Certamente, até o final do ano todas terão atingido esse nível e poderão entrar na 2ª Série já alfabetizadas, precisando apenas corrigir os erros de ortografia e gramática.

A matéria mostra que Mariluce não inventou nenhum método mirabolante, apenas segue os Indicadores de Qualidade da Educação oficiais. Sem querer minimizar o belíssimo trabalho nem o mérito dessa profissional, mas trocando em miúdos para os pais as etapas necessárias para conseguir alfabetizar uma criança já na primeira série, tento resumir os passos fundamentais:

  • Leitura em voz alta feita pela professora para a turma.

  • Leitura feita pelos alunos na tentativa de aprender a ler, começando por palavras soltas, nomes próprios, frutas, nomes de ruas e textos que a criança conhece de cor.

  • Escrita de listas (nomes, brinquedos, frutas etc.) e textos memorizados (cantigas, parlendas, trava-línguas etc.), com lápis e papel ou com letras móveis.

  • Ditado feito pelos alunos para a professora escrever na lousa. A turma cria oralmente um texto (história, bilhete, carta, receita, etc.) e a professora escreve no quadro, em letras garrafais, permitindo que as crianças possam associar as palavras que elas ditam às letras que a professora escreveu.

Ponto! Com essas quatro atividades Mariluce garante a alfabetização de sua classe já na 1ª Série.

Por que, então, todo ano um de cada 6 alunos de 1ª Série é reprovado? E por que outros 18% chegam à 4ª Série sem terem sido alfabetizados? Mas, principalmente, por que os alunos são responsabilizados por seu fracasso quando o método é tão simples??

Os motivos são os seguintes:

  • Muitos professores não gostam de ler nem de escrever.

  • Muitos professores não se preocupam com seus alunos.

  • A maioria dos professores falta demais, alimentando o fenômeno da AULA VAGA, que consome até 30% do ano letivo.

Nós pais estamos cansados das desculpas de professores que alegam não poder alfabetizar nossos filhos por causa dos “baixos salários”, da indisciplina “que vem de casa”, do “estresse” etc. etc. A verdade é que exemplos como o da Mariluce são divulgados a bel prazer e estão à disposição de todos os interessados, mas as pesquisas revelam que, mesmo após a divulgação das escolas com o melhor IDEB, os professores não se interessam em conhecer os casos de sucesso e não fazem esforços para superar suas dificuldades. Geralmente eles preferem continuar seguindo “seus próprios” métodos. Ora, ora, se o método não serve, que arregacem as mangas e comecem a pesquisar outro!

Esperamos que a nova Secretária da Educação saiba exigir que todos os professores incapazes de alfabetizar seus alunos sigam os bons exemplos divulgados ou que, então, sejam afastados da rede.

Comentários

Leandro disse…
Olá, Giulia!
É verdade que estar à frente de uma turma de, muitas vezes, mais de 50 alunos (como eu já tive) é complicado e até cansativo. Mas, sou da opinião de que, mesmo assim, o ensino é possível; desde que, antes de mais nada, isso seja realmente um objetivo.
Em minha insignificante opinião, se houver mesmo vontade, a coisa pode acontecer.
Abraço
Leandro
Giulia disse…
Leandro, isso é música para os nossos ouvidos! Você não imagina como é tranqüilizador saber que existem professores diferentes da maioria, que reclama, resmunga e se faz de vítima. O Orkut dá bem uma amostra do que é a classe docente brasileira. Por isso não tenho mais paciência para visitar as comunidades de professores...
Anônimo disse…
Giulia, sem invalidar a opinião do Leandro, mas querendo ressaltar como um dos aspectos do "coitadismo" dos professores é este argumento de que dar aula é "complicado e até cansativo". Primeiramente, qual trabalho não é "complicado e até cansativo"? Todos são, ainda sob o estresse da insegurança na maioria deles, que o professorado não tem. Dias atrás, uma jornalista me disse que todos eles trabalham sob constante pressão de, conforme o que publicam, poderem amanhecer com uma carta de demissão, coisa que os professores nem cogitam a possibilidade. Lembra-se do "Posso até matar uma criança..."??? Tenho uma amiga dentista que sai de casa às sete da manhã e chega às 8, 9 horas da noite (só parando para o almoço), já sentindo problemas na coluna por causa da posição, e nunca cogitaria de ser indelicada com seus clientes por conta do "estar cansada". Meu pai era comerciante e todos os filhos tinham de ajudar como balconistas. Ficávamos em pé o dia inteiro, não tinha hora certa para fechar a loja, trabalhava sábado, nunca se podia emendar um feriado, não podíamos reclamar nada dos clientes e estar sempre calmos, sorridentes e gentis. Lembro-me que, quando fui ser professora, achei uma extrema diferença sair desse tipo de "emprego", poder trabalhar meio expediente e ter os sábados, férias no meio, fim e princípio do ano e as pontes. Em nenhum outro emprego, eu poderia ter condições de trabalhar fora e cuidar dos meus 4 filhos, pois o pai deles era viajante e eu não podia contar com sua presença. Então, na verdade, é o trabalho menos complicado e cansativo, comparado com outros.
Anônimo disse…
Giulia,dentre os motivos q vc citou como sendo causa do baixo índice de alfabetização,graças à Deus eu não me encaixo em nenhum,pelo contrário, sou uma professora assídua, gosto de ler, escrever e principalmente muito preocupada com os meus alunos. No entanto, infelizmente não consegui alfabetizar todos os meus alunos, e nem por isso me sinto "incapaz". Alfabetizar não é tão simples quanto parece minha cara.Eu não acho justo responsabilizar só os professores.Além disso estou sempre buscando novos conhecimentos e métodos q venham a contribuir para um melhor ensino-aprendizagem.Ajude-nos, não apenas nos critique.Jane, Maceió
Anônimo disse…
Sou professora de história do Ciclo II do EF e EM e me sinto frustrada por receber alunos na 5a. série totalmente analfabetos, alunos que não reconhecem as vogais ou consoantes, alunos que não identificam em uma revista o início e o fim de uma palavra e a minha pergunta é: como esta criança/adolescente chegou até a 5a. série analfabeta???O que fizeram com no mínimo 4 anos de frequência escolar??? A Escola não percebeu??? A família não percebeu???? É justo promover uma criança para a série seguinte sem que ela domine o ano em que cursa?? É honesto fazer isso com a criança, a família e a sociedade??? Nós profesores estamos fazendo o jogo de quem???? O Estado está realmente preocupado com a Educação???? Eu diria que não, o Estado apenas cumpre estritamente o que a lei determina,fornecendo todo o aparato necessário para que a escola funcione, o resultado eu sinceramente não acredito que nossos políticos estejam preocupados. Na minha formação universitária em nenhum momento nós trabalhamos com essa possibilidade, entretanto eu tenho tentado, apesar de apenas 3 aulas semanais, mas sinceramente não sei se conseguirei colher frutos. Nós precisaríamos fazer um mutirão sério de erradicação do analfabetismo em nosso Estado e quem sabe no país. Gostaria de deixar claro que gosto do que faço, sou assídua, comprometida e sempre acreditei na Educação de fato e de direito e concordo com o grande número de profissionais descompromissados, entretanto devemos tomar cuidado para não colocarmos todos no mesmo balaio de gatos, isso também é frustante.