Reprovação? Não, muito obrigado!


Para os que dizem que este blog "faz a caveira" do professor, segue o excelente artigo do PROFESSOR Vitor Paro, com mais esclarecimentos sobre as mazelas da reprovação. Alguém já contabilizou quantos professores, neste blog, se manifestaram contra a reprovação?...

A dica é dos amigos do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Obrigado, Ribamar!

Pouca coisa é tão cercada por equívocos, em nossa escola básica, quanto a questão da reprovação escolar, que se perpetua como um traço cultural autoritário e anti-educativo. Começa pela abordagem errônea de avaliação na qual se sustenta. Em toda prática humana, individual ou coletiva, a avaliação é um processo que acompanha o desenrolar de uma atividade, corrigindo-lhe os rumos e adequando os meios aos fins.
Na escola brasileira isso não é considerado. Espera-se um ano inteiro para se perceber que tudo estava errado. Qualquer empresário que assim procedesse estaria falido no primeiro ano de atividade. E mais: em lugar de corrigir os erros, repete-se tudo novamente: a mesma escola, o mesmo aluno, o mesmo professor, os mesmos métodos, o mesmo conteúdo... É por isso que a realidade de nossa escola não é de repetentes, mas de multirrepetentes. Absurdo semelhante ocorre quando se trata de identificar a origem do fracasso.

A atividade pedagógica que se dá na escola supõe um quase infindável conjunto de atividades, de recursos, de decisões, de pessoas, de grupos e de instituições, que vão desde as políticas públicas, as medidas ministeriais, passando pelas secretarias de educação e órgãos intermediários, chegando à própria unidade escolar em que se supõem envolvidos o diretor, seus auxiliares, a secretaria, os professores, seu salário, suas condições de trabalho, o aluno, sua família, os demais funcionários, os coordenadores pedagógicos, o material didático disponível etc. etc. Mas, no momento de identificar a razão do não aprendizado, apenas um elemento é destacado: o aluno.
Só ele é considerado culpado, porque só ele é diretamente punido com a reprovação. Como se tudo, absolutamente tudo, dependesse apenas dele, de seu esforço, de sua inteligência, de sua vontade. Para que, então, serve a escola? Essa pergunta, aliás, vem bem a propósito da forma equivocada e anti-científica como se concebe o ensino tradicional ainda dominante entre nós.
Apesar de a Didática ter reiteradamente demonstrado a completa ineficiência do prêmio e do castigo como motivações para o aprendizado significativo, ainda se lança mão generalizadamente da ameaça da reprovação como recurso pedagógico. Segundo esse hábito, revelador, no mínimo, da total ignorância dos fundamentos da ação educativa, à escola compete apenas passar informações, ameaçando o aluno com a reprovação caso ele não estude.
Daí a grita de professores, pais e imprensa de modo geral contra a retirada da reprovação na adoção dos ciclos, afirmando que, livre da ameaça da reprovação, o aluno não se motiva para o estudo. Ignoram que a verdadeira motivação deve estar no próprio estudo que precisa ser prazeroso e desejado pelo aluno.
Nisso se resume o papel essencial da escola: levar o aluno a querer aprender. Este é um valor que não se adquire geneticamente; é preciso uma consistente relação pedagógica para apreendê-lo. Sem ele, o aluno só estuda para se ver livre do estudo, respondendo a testes e enganando a si, aos examinadores e à sociedade. Mas defender a retirada da reprovação não significa apoiar “reformas” demagógicas de secretarias de educação com a finalidade de maquiar estatísticas. Essa prática, embora coíba o vício reprovador, nada mais acrescenta para a superação do mau ensino. Com isso, o aluno que, após reiteradas reprovações, abandonava a escola, logo nas primeiras séries, agora consegue chegar às séries finais do ensino, mas continua quase tão analfabeto quanto antes. A diferença é que agora ele passa a incomodar as pessoas, levando os mal informados a porem a culpa pelo mau ensino na progressão continuada.
Mas o aluno deixa de aprender, não porque foi aprovado, mas porque o ensino é ruim, coisa que vem acontecendo desde muito antes de se adotar a progressão continuada. Apenas que, antes, esse mesmo aluno permanecia na primeira série, ou se evadia, tão ou mais analfabeto que agora. Mas aí era cômodo, porque ele deixava de constituir problema para o sistema de ensino. Agora, com a aprovação, percebe-se a reiterada incompetência da escola.

Só a consciência desse fato deveria bastar como motivo para se eliminar de vez a prática da reprovação no ensino básico: porque ela tem servido de álibi para a secular incompetência da escola que se exime da culpa que é dela e do sistema que a mantém. A reversão dessa situação exige que o elemento que estrutura a escola básica deixe de ser a reprovação para ser o aprendizado. É preciso reprovar, não os alunos, para encobrir o que há de errado no ensino e isentar o Estado de suas responsabilidades, mas as condições de trabalho, que provocam o mau ensino e impedem o alcance de um direito constitucional.

Vitor Henrique Paro é titular em Educação pela Usp. Foi professor titular nos cursos de graduação e pós-graduação em Educação da Puc-SP e pesquisador sênior da Fundação Carlos Chagas. Atualmente é professor titular no Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da Usp, onde exerce a docência e a pesquisa na graduação e na pós-graduação.

Comentários

Anônimo disse…
Olá Giulia!
Olá todo mundo!
Olha eu aqui contra a reprovação, retenção...seja lá qual for o "ão"...
Saudades de uma boa "discussão"...

Beijos e promessas de participar!!!!
Anônimo disse…
O Strix esteve aquí.
Ricardo Rayol disse…
Eu não sei se reprovar ou não é válido. Fui educado com essa situação e nunca fui reprovado. Vou matutar.
Anônimo disse…
Se já não bastassem as políticas neoliberais que enxugam todos os recursos da Educação, superlotam as salas de aula, enxugam os salários até a beira da fome, uma nova onda apareceu na mídia escrita, a de atacar os profissionais da Educação, tanto de âmbito estadual quanto municipal e culpá-los por tudo de ruim que está acontecendo no Brasil, desde as baixas cifras que se formam nas Universidades, até o altíssimo número de analfabetos funcionais que assolam o Brasil. Soluções ninguém propõe, a nova onda é gritar na mídia, colocar todos na mesma panela e gritar em alto e bom som: "vagabundos".
Claro que isso se deve a esta abertura absurda que certos "educadores" deram aos leigos de dar palpite na área a qual não pertencem, como consultores do MEC e da CNE (economistas e advogados), para depois encabeçar o ataque à nossa categoria.
O engraçado é que nenhuma profissão dá este tipo de abertura. Ninguém chega até um médico durante uma operação e diz: "doutor, acho que o senhor deve cortar mais pra baixo"!
Por que na educação todos querem meter o bedelho?

Luciano Luckesi
Tainá! (: disse…
Excelente artigo.
Eu concordo plenamente.
Sou aluna e fiquei reprovada. Tenho consciência de que parte foi culpa minha e que poderia ter me esforçado mais. Por outro lado, sinto que fui prejudicada por péssimos professores, não só como professora, mas como pessoa. Um professor que dá aula pensando em ferrar o aluno não é alguém que está preparado para esse cargo. A função dos professores é ensinar, independente da pessoa. Não é por que um aluno conversou durante uma aula que ele não tenha mais direito de aprender. Até onde eu havia sido informada, um professor deveria ser formado em pedagogia além na matéria que ele dá aula, mas vejo que não é isso que acontece. Tenho muitos professores extremamente inteligentes mas que não sabem transmitir isso para nós. Pessoas que não têm didática, não sabem explicar e acham que a gente já deveria saber aquilo que ele não explicou.
Provavelmente estou muito revoltada por ter ficado reprovada no meu último ano. Mas o que eu falei não deixa de ser verdade. E ainda temos que ouvir que a culpa é toda nossa, que não estudamos e não nos esforçamos. E sempre me pergunto como eles sabem ou acham que sabem que não nos esforçamos. Penso que, se estou de recuperação é por que tive dificuldade com aquela matéria durante o ano, e não será estudando durante uma semana e fazendo uma prova que isso vai mudar.
Mas... É o que eu penso.
Obrigada por me mostrar que não são só os alunos que vêem que a culpa não é só nossa de ficarmos reprovados.
TELMA FRANÇA disse…
PORQUE REPROVAR SE PODEMOS MUDAR ESSA REALIDADE EM UMA SIMPLES PALAVRA: APROVAR.
A PARTIR DO MOMENTO QUE APROVA-SE ALGO FEITO OU TRANSMITIDO POR VOCE, VOCE ESTA APROVANDO O SEU CONHECIMENTO METODOLOGICO. MAS, SE REPROVAS, POR NÃO TER ATINGIDO SEU TOTAL OBJETIVO COMO EDUCADOR, DEVES MUDAR DE ESTRATEGIAS E REAVALIAR SUA METODOLOGIA, FAZENDO UM TRABALHO MAIS INTERATIVO COM SEUS ALUNOS. MESMO QUE O SISTEMA ESCOLAR EXIJA EFICIENCIA NAS SUAS DECISÕES COMO PROFISSIONAL, CABE AO PROFESSOR SER MAIS CONSCIENTE EM SUAS DETERMINAÇÕES, O MESMO PASSA HORAS E HORAS ANALISANDO E REPASSANDO CONTEUDOS A SEREM DADOS, E NO FINAL O PROPRIO EM POUCAS OU UNICA PALAVRA REPROVA SUA CAPACIDADE DE CONQUISTAR SEU ALUNO E DESPERTAR NELE O DESEJO DE APRENDER. PODEMOS REVERTER ESSE QUADRO, AVALIANDO NOSSO ALUNO TODOS OS DIAS, EXTRAINDO DO MESMO SEU POTENCIAL SEM MUITAS COBRANÇAS, E VEREMOS COMO A EDUCAÇÃO PODERÁ MUDAR SUA CONCEPÇÃO DE ENSINO.