O buraco é bem mais embaixo


Os resultados do ENEM não podem servir como base para nenhuma avaliação séria do nível das escolas brasileiras, justamente porque o exame é facultativo, ou seja, os resultados retratam apenas uma pequena parte do universo dos alunos terceiro-anistas. Os professores desencorajam ativamente a participação dos alunos mais fracos da escola, alegando que eles não precisam fazer o ENEM porque entre outras razões eles não têm nem como tentar entrar em uma faculdade. Os resultados, já péssimos, das escolas públicas, seriam muito piores se o exame fosse obrigatório.

Caroline Miles, do site PaisOnline
http://paisonline.homestead.com/index.html

Está havendo um tremendo blá-blá-blá sobre os resultados do ENEM, sem que a discussão atinja alguns pontos cruciais. O pronunciamento da Caroline pode dar a impressão de que a rede particular de ensino é uma “panacéia” e a rede pública uma “roubada”. Na verdade, a Caroline fez colocações de teor muito superior ao que se tem discutido por aí a respeito do ENEM, mas a análise feita na mídia é muito pobre e muitas vezes tendenciosa. Ou vai dizer que todo esse blá-blá-blá não favorece a rede particular de ensino?...

Vamos ver, por exemplo, a matéria da Folha de São Paulo “Pior escola particular supera 75% das estaduais”. http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u388749.shtml. A “Pior escola particular” de São Paulo teve nota 50,8 e a “Melhor escola estadual” teve nota 59, 27 sendo que 157 escolas estaduais tiveram nota melhor do que a “pior das particulares”.
A forma como esses dados são apresentados mostra a pobreza da mídia brasileira na análise dos dados que, aliás, não são significativos, pois, como diz a Caroline, o exame é facultativo.

Muito mais interessante do que uma pesquisa sobre o ENEM seria uma pesquisa sobre a percentagem dos professores que dão aula tanto na rede pública quanto na particular, pois a grande massa de escolas públicas e a grande maioria das escolas particulares, salvo as de elite, se equivalem em termos de qualidade do ensino. A grande diferença é que o mesmo professor que dá aula nas duas redes efetivamente TRABALHA na escola particular – para não perder a bolsa dos filhos – e ENROLA na pública, provocando o fenômeno da AULA VAGA, que chega a proporções absurdas e nunca foi pesquisado seriamente. Essa, aliás, é uma empreitada impossível, pois as escolas possuem N truques para camuflar as aulas vagas, desde festinhas até excursões ao playcenter... A propósito do depoimento da Caroline, esse professor que têm seus filhos na rede particular é o mesmo que desestimula seus alunos da rede pública a participar do ENEM. Isso, em si, não é ruim, pois lhes evita frustrações e aborrecimentos, além de perda de tempo, mas costuma fazer parte de um longo “trabalho” de lavagem cerebral, durante o qual o professor vai colocando na cabeça do aluno a idéia de que ele não tem chance de prosseguir nos estudos após o Ensino Médio, porque escola pública é mesmo uma “roubada”, porque “infelizmente” seus pais não tiveram recursos para investir na sua educação, porque com aluno da rede particular ele não pode, etc. etc. etc. Não é balela: meus filhos passaram por isso, os filhos da Caroline também e aqueles da maioria dos pais que nos procuram.

Na falta de pesquisas que – infelizmente - possam comprovar o que vou dizer agora, é possível que, em média, os alunos da rede particular de São Paulo sejam piores do que a média dos alunos das escolas públicas, se levarmos em conta que os últimos não possuem biblioteca nem computadores na escola (cadê a pesquisa???), costumam ter um mínimo de 15% de aula vaga, sendo que o máximo é incalculável – o céu é o limite! – e não recebem aulas de recuperação.

Este buraco é muito fundo e se perde em alguns tabus, como por exemplo o envolvimento das diretorias de ensino com a rede particular, o trabalho de divulgação dos cursos pré-vestibulares junto aos diretores de escola e o interesse de muitos professores em privilegiarem seus próprios filhos na corrida por uma vaga em universidades públicas. É pouco? Eta buraco negro!...

Comentários

Ricardo Rayol disse…
Causa e efeito. Os dois pontos de vista devem ser analisados juntos.
Anônimo disse…
Querida Giulia,

Pensando no assassinato da menina Isabela, na omissão dos médicos no Rio de Janeiro durante a epidemia de dengue e agora no seu artigo. Eu só posso dizer que aqui no Brasil, o buraco é muito mais embaixo do que você imagina.
Dani