O fenômeno Isadora Faber, que criou e mantém o famoso Diário de Classe no Facebook, já está tão divulgado em todas as mídias que dispensa explicações, mas merece muita reflexão.
Uma reflexão importante é que finalmente alguém escancarou a caixa preta do ensino público, mostrando a escola por dentro - e tinha que ser uma criança!
Outra reflexão interessante é a respeito da "qualidade" da escola onde Isadora estuda, a Maria Tomazia Coelho, em Florianópolis, que recebeu em 2011 a nota IDEB de 6.1, bem superior à média nacional.
Finalmente, chama a atenção o motivo de tanta notoriedade desse fenômeno: o número de fãs da página de Isadora no Facebook, que hoje atinge quase 400 mil.
Será que são os números que importam, seja para avaliar a qualidade de sua escola, seja para medir a importância do trabalho (sim, trabalho!) que a Isadora está desenvolvendo?
Quanto aos fãs da página no Facebook, a maioria dos comentários publicados aparenta sincera mas superficial admiração, de quem fica muito surpreso pelo fato de uma criança demonstrar tanta maturidade, senso crítico, coragem e persistência, qualidades raras em um único ser humano, mesmo adulto. No entanto, os comentários mais reveladores são de pessoas que criticam sua iniciativa, de várias formas: tem aqueles que apequenam a causa, dizendo que a menina deveria se dar por satisfeita de estar na escola onde estuda, os que demonstram raiva por achar que ela é muito criança para criticar essa instituição "sagrada", e também os que partem para a ignorância, como é comum nas redes sociais, onde as pessoas se sentem protegidas pelo anonimato. Aliás, até muitos que "apoiam" a Isadora o fazem apenas usando palavras de baixo calão contra... nem eles sabem quem. rs
Parece que a Isadora está provocando uma catarse nacional - e pagando um alto preço por isso. À medida em que sua página no Facebook foi ganhando notoriedade, a escola foi criando contra ela uma hostilidade cada vez maior, que contaminou a própria comunidade, ou seja, os demais pais e alunos que deveriam ser-lhe gratos por comprar uma causa que é também deles.
No início, Isadora foi criticando apenas as falhas na manutenção da escola e a merenda escolar. Até aí, nada muito sério, até porque, sinceramente, impossível comparar as condições dessa escola com muitas que se encontram nas periferias dos grandes centros de todo o país. As reformas necessárias foram quase todas prontamente realizadas, o que aliás sempre recebeu elogios da Isadora em sua página.Quando ela porém começou a colocar o dedo em feridas mais profundas, como a AULA VAGA (expressão proibida na rede pública, por configurar oferta irregular de ensino, que é crime), o comportamento de alguns professores e irregularidades administrativas, isso lhe valeu, além da hostilidade geral, um processo na justiça, agressões verbais por parte de colegas e finalmente o apedrejamento de sua casa, que provocou ferimentos em sua avó.
O caso "Seu Francisco", que teria embolsado o dinheiro pago pela pintura da quadra sem realizar o serviço, foi a gota d´água. Essa história está muito "mal contada", deve-se tratar aí de irregularidade administrativa por parte da direção da escola, do Conselho e da APM, que deveriam atuar em conjunto e dar transparência de seus atos, não apenas à Isadora, mas a toda a comunidade. Devido à sua pouca idade, a menina foi cobrando sistematicamente do tal "Seu Francisco", provavelmente o último elo de uma corrente podre. Aconteceu algo parecido na escola municipal dos meus filhos, na década de 90: a reforma dos banheiros foi se esticando durante todo o ano e nunca terminava. A equipe de pedreiros foi minguando e de repente sumiu da escola... Eu e outros pais vivíamos questionando a diretora, que não dava satisfação, e resolvemos colocá-la contra a parede, ameaçando que chamaríamos a Comissão de Educação da Câmara Municipal para investigar o caso. A diretora - juro - desmaiou na nossa frente e no dia seguinte sumiu da escola, já no final do ano letivo. Descobrimos assim que a empresa que havia ganho a licitação subempreitou o serviço para uma segunda, que o subempreitou para uma terceira, que finalmente contratou dois pobres coitados para "finalizar" o serviço, com materiais de péssima qualidade...
Essa história da pintura da quadra deve ter algo em comum com a da escola dos meus filhos, para a direção ser tão omissa em esclarecer os fatos, após tanta repercussão. Quanto à exposição da escola na mídia, essa é talvez a maior ferida que o dedo da Isadora tocou. As escolas, em todo o território nacional, são proibidas de aparecer na mídia, o que pode "denegrir" a imagem dos políticos que as gerem e deveriam fiscalizar, sejam do poder executivo ou do legislativo. Ironicamente, a Maria Tomazia Coelho é um dos "cartões postais" de Floripa, como você pode ver aqui. Qualquer chamuscadinha fere o orgulho do corpo docente, da direção da escola e das instâncias maiores, como a diretoria de ensino e a secretaria da educação. Isso pode também prejudicar eventuais bônus e demais benesses, além de obrigar a escola como um todo a entrar na linha. Em sua ingenuidade - e sem imaginar que acaba de ganhar mais uma inimiga - Isadora conta que uma funcionária, acostumada a levar seu bebezinho no trabalho, agora tem que pegar no batente pesado, mostrando assiduidade e pontualidade.
Na minha modesta opinião, a grande contribuição de Isadora, com seu Diário de Classe, é mostrar que o maior problema da rede pública não é a qualidade do ensino, mas a falta de EDUCAÇÃO, no sentido ético e filosófico. Isadora acaba de mostrar que o aluno, na escola pública, não é sujeito, ele está em segundo ou até terceiro plano. Na hora que ele resolve ficar na linha de frente, como ela fez, é criticado, hostilizado e, na maioria das vezes, expulso. Em seu caso específico, o que impede a expulsão da Isadora é apenas sua notoriedade. E o que se tenta, agora, é provocar sua evasão, infernizando-lhe a vida!
A rede pública de ensino, em todo o país, não existe em função do aluno, mas do sistema: primeiro, vem toda a discussão "pedagógica" que, por exemplo, fez a LDB tramitar dez anos antes de ser aprovada e que até hoje, 15 anos após sua publicação, não ajudou o país a avançar um palmo na área educacional. Depois, vem o "cabidão de empregos" e, por último o aluno, esse apêndice que recebe, dentro da escola, péssimos exemplos de ética e cidadania.
Enfim, Isadora conseguiu sem querer mostrar a falta de ética da maioria dos adultos que participam de sua escola, sejam profissionais ou membros da comunidade: no mínimo, omissos. Cadê o Conselho dessa escola? Cadê a APM? Que exemplo essa escola está dando para seus alunos, ao hostilizar uma menina que só aponta o óbvio? Diante de uma situação como essa, como pode ainda vingar o antigo chavão repetido exaustivamente nas escolas: "a educação vem de casa"? Para que aulas de ética e filosofia nas escolas??? Para que aulas de sociologia, se ninguém explica ao aluno qual é a de uma sociedade que não se preocupa em lhe oferecer o que a lei "garante"? Art. 53º do ECA - A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
Isadora poderia ser comparada com a criança da fábula A roupa nova do rei ou com O pequeno herói da Holanda, que colocou seu dedo em um furo no dique, protegendo a cidade da inundação. O que sua escola e, certamente, a maioria da classe docente não entende, é que o dedo da Isadora aponta para a necessidade de melhorias e não para a crítica negativa.
Ora bolas! Apenas por sua escola estar "no topo do ranking", uma criança deve deixar de perceber, por exemplo, que há fios descascados em alguma sala de aula? Que há assentos quebrados que podem causar acidentes? Deve deixar de se preocupar com a pintura da quadra, sendo que a falta de marcação impede realizar exercícios de educação física?... só porque na maioria das outras escolas do país a "educação física" não passa de um bate-bola numa quadra descascada, onde muitos professores largam os alunos sozinhos e vão tomar cafezinho na cantina?... Por que, no Brasil, tudo deve ser nivelado por baixo? E justo na educação, que é a principal alavanca do país??
Comentários
"Não acho a Isadora nem visionária nem rebelde. O resto da população é que é gregária e omissa."