Mais uma vez, a demonização do aluno!



Mais um ano letivo está terminando. Mais uma vez, o aluno da rede pública de ensino foi prejudicado em seu direito a uma escola pública de qualidade. Isso, em média, pois existem no país ilhas de excelência, onde a política educacional é acertada e os resultados positivos. O problema é que os bons exemplos ficam localizados e não são reconhecidos nem adotados em nível nacional. O país continua sem currículo unificado, os planos de educação, em nível nacional, estadual e municipal, continuam cozinhando em fogo lento, apenas para mostrar serviço, pois os filhos dos políticos, das autoridades educacionais e dos formadores de opinião estudam na rede particular.

Esse é o motivo pelo qual a mídia também fica indiferente à questão educacional. Para quê os formadores de opinião se preocupariam com o ensino público, aumentando o risco de competição de seus próprios filhos para entrar nas universidades públicas, as únicas que oferecem ensino superior decente?...

O Brasil continua o país de Gerson, aquele que quer tirar vantagem em tudo. Neste sentido, os pais que podem manter os filhos em boas escolas particulares não assumem qualquer atitude a favor dos filhos "dos outros". Para eles, migalhas!

Ontem, no ônibus, vi um garotinho maltrapilho que parecia ter no máximo três anos. Fiquei impressionada com sua vivacidade, prestando atenção em tudo e conversando com as pessoas formando frases bem articuladas. Olhando para os trajes e a cor da pele, dá para imaginar que dificilmente seu futuro será brilhante, como poderia ser, se houvesse no país IGUALDADE DE CONDIÇÕES para todos, como garante a Constituição Federal. Acontece que essa garantia não passa de uma promessa tão esfarrapada quanto as roupas desse garoto. Crianças mais inteligentes que a média costumam ser rejeitadas pela escola, uma escola atrasada e burra que não sabe lidar com as diferenças, principalmente com o aluno que tem e ousa expressar pensamentos próprios. Ele é tido por atrevido, arrogante, insolente - e assim calam-lhe a boca. Quando esse mesmo aluno for negro, a rejeição costuma ser completa, graças ao preconceito não declarado, mas arraigado em todo o país.

Então a vida escolar desses meninos, os poucos que ousam fazer perguntas e que não aceitam o cala-boca habitual, é arriscada, muitas vezes termina em expulsão ou evasão, independentemente da cor de sua pele.

Tudo poderia ser melhor, se houvesse gestão democrática nas escolas, ou seja, a participação dos pais de alunos nas decisões, com voz ativa inclusive para denunciar os maus profissionais e os constantes abusos cometidos contra os alunos. Infelizmente, a gestão democrática, prevista na Constituição - Artigos 205 e 206, não passa de letra morta. Os pais de alunos, em quase todas as escolas do país, não possuem representatividade nos Conselhos. Os diretores de escola costumam escolher a dedo os pais que querem nos Conselhos de Escola, boicotando a eleição democrática. Eles "elegem" os mais manipuláveis e cujos filhos comportam-se como cordeirinhos, colocando-os como modelo para os outros pais e criando conflitos na comunidade escolar. Este quadro é agravado pela mídia - novamente os formadores de opinião com filhos na escola particular. Esses jornalistas recebem o assédio das fortes assessorias de imprensa dos sindicatos da educação para divulgar a imagem do aluno da rede pública como um pivete, um marginal em potencial, um "vagabundo" que não quer estudar e que a toda hora agride o professor e os colegas. Toda essa campanha de demonização do aluno é uma cortina de fumaça para abafar a incompetência e o fracasso da escola em seu papel de ensinar e educar. Sim, educar!

Além de não oferecer ensino de qualidade, o professor que se atrasa para entrar em sala de aula deseduca o aluno. O professor que falta a bel prazer, gerando o fenômeno da AULA VAGA, no qual o Brasil é campeão mundial, também deseduca. O professor, o funcionário ou diretor que xinga, grita, agride o aluno física e verbalmente, deseduca em alto grau. Mas a mídia não está lá para ver esses comportamentos dos profissionais da "educação". E os pais de alunos não denunciam agressões e constrangimentos por dois motivos:

- Ou o aluno não comunica à família por medo de apanhar, pois muitos pais só acreditam na versão da escola,

- ou os pais procuram evitar as perseguições e represálias que nunca falham quando eles têm a coragem de denunciar os abusos. Sim, o que é ruim pode ficar pior...

Nada disso ocorre por acaso, trata-se de um esquema orquestrado pelo lobby da escola particular para manter e incrementar a rede privada de ensino. O esquema vai de vento em popa, apesar da também  sofrível qualidade do ensino na rede particular - mas esse é um assunto para outro post. Veja o tripé no qual esse esquema se apoia:

- A falta de qualidade do ensino da rede pública
- A demonização do aluno
- O afastamento dos pais de alunos da gestão da escola.

Há 15 anos escrevi o conto O estuprador, baseado num fato verídico ocorrido numa escola, que teve final muito infeliz. Tentei mudar o final da história para que ficasse menos triste, mas não consegui encontrar um desfecho em que a solução partisse da escola. Infelizmente, nas escolas públicas da periferia dos grandes centros, nada mudou para melhor. Confira clicando aqui e envie também seu relato sobre a forma em que o seu filho é tratado na escola para o e-mail educaforum@hotmail.com.

Comentários

Glória Reis disse…
Tristíssimo, amiga! Como eu admiro sua persistência de continuar na luta, ainda vendo luz no fim do túnel.Eu não vejo mais nada, só vejo toda esta violência no país como consequência da omissão e crueldade na escola pública. Beijos, amiga!
Renata disse…
Muito bem escrito. O que fazem com essas crianças é tortura psicológica, discriminação, estigmatização. É um completo despreparo profissional e emocional.
Geralmente são crianças marginalizadas pela sociedade, com conflitos familiares gravíssimos e carentes de tudo.