Não, não somos um país violento. Somos um país covarde.



Muito bem-vinda a polêmica sobre se o Brasil é um país violento. Como diria essa juventude que, pra variar, está sendo demonizada e culpada por toda a violência que incomoda os de bem, a discussão "demorô".

Entre várias outras esquisitices, sou vegetariana. Quando meus filhos descobriram que na casa dos outros havia coxinhas, cachorro quente e churrasco, reivindicaram igual tratamento. Mandei então que arrumassem arco e flecha pra caçar sua própria comida. Nessas condições, eu me sujeitaria a cozinhar "cadáveres". Eles perguntaram qual seria a diferença entre uma carne comprada no açougue e outra caçada pessoalmente. Respondi que era uma questão de coragem: muito fácil pagar "alguém" para sacrificar uma vaca, um porco ou um frango! Com  isso não quero dizer que todos devam ser vegetarianos, trata-se de opção pessoal, apenas acho que toda opção tem que ser consciente. E é necessário saber o que e quem essa atitude envolve.

Tomar atitudes conscientes queima neurônios e dá trabalho. Muitas vezes, também, nos coloca em situações constrangedoras, como foi, por exemplo, buscar meus três filhos de uma festinha de crianças onde literalmente desfalcaram o estoque de coxinhas e cachorros quentes... rs

Coloquei essa questão para descontrair e dar um tom mais leve a um assunto que é na minha opinião extremamente grave e que está sendo tratado da forma mais parcial e/ou superficial pela mídia convencional.

As grandes manifestações de junho passado, que levaram milhões de cidadãos às ruas, prometiam ser o sinal de uma mudança radical na mentalidade do brasileiro. Aparentemente, não foram. Sobrou um consenso, praticamente geral, de que há muita insatisfação com relação a todas as esferas governamentais, mas a sociedade tornou-se novamente apática. Menos uma meia dúzia de 3 ou 4, que insistem em ir às ruas apesar de levar a pecha de vândalos.

Estou tentando destrinchar os fatos. Em junho passado, a questão eram "20 centavos" e a população bateu o pé até o governo engolir o sapo. Esse caminho, porém, não foi linear e o que decidiu a parada a favor da sociedade foram... atos de violência cometidos por policiais contra... jornalistas.

Um minuto de silêncio para memória e reflexão!

A mídia oficial já estava conseguindo minar a presença da população nas passeatas ao focar apenas o "vandalismo", quando então a violência policial começou a fazer vítimas entre jornalistas, e isso virou o jogo. Os profissionais vitimados deram depoimentos pessoais, apareceram em entrevistas e debates com olho roxo e até sem olho, promovendo a comoção pública. Será que, se tais fatos não tivessem ocorrido, as manifestações não teriam morrido na praia?... Porque até então a participação popular era pequena, as passeatas de milhões vieram depois do reconhecimento público da truculência policial. Isso pode ter dado aos manifestantes uma CORAGEM que não teriam, se tivessem que continuar enfrentando a truculência policial e ainda levar a pecha de vândalos.

Vamos agora comparar as manifestações de junho com os fatos que levaram à morte do cinegrafista Santiago Andrade.

A princípio, não se sabia de onde havia partido o tiro mortal e enquanto essa dúvida perdurou a sociedade ficou em compasso de espera. Se essa hipótese tivesse sido confirmada, talvez as multidões voltariam ás ruas para pedir o fim da polícia militar e de seus abusos. Será?...

Mas o jogo virou, e inversamente ao que aconteceu em junho. Por uma fatalidade (é o que penso) o tiro partiu do outro lado do balcão e o que agora "se pede" é o fim da ação dos famigerados "vândalos". Mas... quem é que pede?... É a própria mídia, dedicando praticamente metade do tempo dos telejornais à questão da violência por parte de manifestantes. Essa lavagem cerebral está praticamente conseguindo convencer a sociedade de que o maior problema da segurança no país são meia dúzia de gatos pingados que atiram rojões durante as manifestações. E que esses mesmos seriam responsáveis por atear fogo em ônibus, destruir propriedades públicas e privadas, e blábláblá. Pena que essa meia dúzia de 3 ou 4 "vândalos" não sejam todos menores de idade, isso mataria dois coelhos com uma cajadada só, agilizando a questão da menoridade penal...

Desde o início das passeatas de junho, quando manifestantes conseguiam fotografar black blocs quebrando vidraças a meio metro de distância com o celular, eu defendi que bastariam policiais, NÃO À PAISANA, mas identificados e bem treinados em artes marciais, para inibir e imediatamente prender quem estivesse cometendo atos de violência. Simples assim! 8 meses depois das primeiras manifestações, a polícia continua usando balas de borracha e outras armas letais, da forma mais criminosa e BURRA possível. Hoje, 22 de fevereiro, numa manifestação contra a Copa em São Paulo, apareceram finalmente policiais "ninja", ou seja, treinados em artes marciais. Meu espanto, porém, foi que em vez de abordarem os mascarados antes que começassem a quebrar vidraças, esperaram a baderna acontecer e só depois foram prender mais de 100 pessoas. Ora, se era pra prender, por que não prendê-los antes, para inibir o vandalismo?...

Estou chegando à conclusão de que a falta de um serviço de inteligência decente no país não é falta de inteligência, é proposital!!! Interessa a todos os partidos que a violência parta da sociedade, e a sociedade que se vire! Os partidos que estão no poder fazem corpo mole, dizendo que não podem tomar medidas mais drásticas porque os "direitos humanos" protestam. Os de extrema esquerda estão sendo acusados de pagar manifestantes para promoverem baderna, portanto só estão preocupados em rebater as acusações. E assim a situação vai se agravando.

A cobertura da mídia, nestes últimos acontecimentos, não peca apenas pelo excessivo foco no vandalismo, mas na omissão com respeito à falta de equipamentos de proteção aos jornalistas. Pois é, a Band ficou quietinha da silva e as outras mídias também mal comentam o assunto. Por que será?...

Tudo isto é muito grave, mas as questões centrais são evitadas, pois os responsabilizados por toda essa violência, afinal, são poucos e jovens. Vamos enquadrá-los e a sociedade pode continuar tocando sua vidinha tranquilamente!


Voltando à questão inicial, e independentemente de manifestações populares, somos violentos ou "estamos" violentos? Em média, as estatísticas mundiais sobre assassinatos dizem que 15 entre as nossas maiores cidades estão entre as 50 mais violentas do mundo e que o Brasil está em 12º lugar no quesito violência contra a mulher! Isto, em um país onde não há guerra civil declarada...

Mas será que a maior violência é aquela que mata "bem morto"? Longe de mim querer embarcar na discussão sobre as causas da violência na sociedade, mas parece-me que, antes de avaliar o nível de violência do país, temos que nos perguntar que país é este. Há décadas, a unanimidade diz que somos um país desigual, mas talvez a novidade é que estamos começando a perceber as desigualdades. E a nos indignar.

O Brasil é um país desigual porque isso foi conveniente à sociedade desde o descobrimento e foi assim que ela se organizou durante séculos. "Independência ou morte" não me parece ser a vocação da sociedade brasileira, um país de poucos heróis no sentido literal. Pessoalmente, abomino qualquer forma de violência que não seja o debate de ideias, mas reconheço que os rebeldes possuem uma qualidade rara na sociedade brasileira: a CORAGEM. Vamos lembrar, por exemplo, a guerra do Paraguai? Como foi que o Brasil participou dela? Através de um exército formado por negros escravos alistados compulsoriamente. Até isso devemos aos negros!

A desigualdade no país foi se desenhando por um caminho tortuoso, amparada pela hipocrisia que até hoje, por exemplo, não reconhece o nordeste - que alguns estudos consideram a região mais violenta do mundo - como parte legítima da nação. O que ocorre por lá não é problema nosso! Também não é problema nosso que a metade das moradias do país não possuam rede de esgoto, desde que  o nosso esteja bem canalizado...

Então parece-me que o problema é o Brasil ser um país mas não uma NAÇÃO. Assim, não é necessário preocupar-se com o princípio de igualdade que está na Constituição! Nós, os iguais, os branquinhos "de bem", que podemos pagar um advogado, sabemos que temos boas chances de estarmos a salvo da truculência policial e das garras da Justiça. Quanto aos "outros", os desiguais, que fiquem entregues à própria sorte. A desigualdade está legitimada por nossa omissão. É isso que somos: não um país violento, mas omisso, covarde... e, certamente, hipócrita.

Nós, que temos mais escolaridade ou conhecimento, não gastamos o nosso latim para ajudar aos que não tiveram as mesmas oportunidades. Só se for com doações ou trabalho voluntário que mostre nossa "superioridade". Não brigamos por igualdade! Achamos ótimo oferecer uma escola particular para os nossos filhos e uma péssima escola pública para os filhos "dos outros". Não nos incomodamos que fiquem abarrotando macas nos corredores dos hospitais, enquanto nós temos hora marcada para a nossa cirurgia no hospital do convênio. Não reivindicamos obras de saneamento nos bairros onde não há coleta de esgotos, nem ao menos enxergamos que o nosso próprio esgoto, ou até o esgoto de bairros nobres do Morumbi em São Paulo e da zona Sul do Rio de Janeiro  seja atirado, sem tratamento, no Rio Pinheiros e na Lagoa Rodrigo de Freitas, respectivamente! Cegueira ou omissão? Inércia ou covardia?...

Nosso dever cívico se limita a elegermos representantes dos quais nem lembramos os nomes na próxima eleição! E nunca resolvemos entrar pela porta da frente para desmascarar esses corruptos ou ineptos que elegemos: desconhecemos totalmente o caminho da Câmara Municipal, da Assembleia Legislativa, do Congresso Nacional.

Então é isso. Não vamos às ruas porque somos covardes nem queremos nos misturar com "vândalos".

Violentos, nós? Não, violentos são "os outros". Nós somos apenas omissos, covardes, hipócritas ou preguiçosos. Tendo que escolher apenas um adjetivo, opto por covardes.

Comentários

Cremilda disse…
Logo que engravidei de minha filha, passei a ter horror de carne. Não comia o que antes gostava muito, como peixe por exemplo. Nem carne vermelha, nem a branca. Era uma coisa muito forte em mim. Identificava e meu estômago rejeitava até arroz cozinhado com tempero de origem animal. O cheiro de sangue do açougue me fazia mudar de calçada para não enjoar. Embora as pessoas dissessem que estava fraca por não comer carne de jeito nenhum, tive uma gravidez normal e um parto idem.Minha filha nasceu e logo no primeiro dia eu voltei a comer carne, ela nasceu firme, e vegetariana.
Por conta do que eu sofri na gravidez por causa das pessoas que queriam me obrigar a comer carne, eu respetei a vegetariana de nascimento.
Foi uma luta para enfrentar as críticas da familia e amigos. Diziam que ela não comia carne, mas que era falta de costume e eu devia obriga-la, que sem carne ela iria crescer uma pessoa doente. Sempre fiquei do lado dela, mesmo em festas que ela não comia os salgadinhos eu sempre a ajudava a disfarçar.
Ele mesmo abominando carne, muitas vêzes dizia se sentir um ET e que gostaria de ser "normal" Eu achava normal, que me lembrava da experiência da gravidez e entendia o mal estar, mas sabia que ela não conseguiria comer carne. Não era apenas "frescura" como muitos classificavam a aversão dela por carne.
O que nos irritava no início, agora achamos graça. Toda vez que anuncio que ela não come carne, vem sempre a pergunta:
_ Nossa, mas e frango, ela não come frango ? Nem peixe ??/Nem liguiça,nem salsicha ???
É isso Os problemas da minha filha vegetariana.
Hoje não posso mais comer carne vermelha, mas por problemas de saude. Assim não vale.
Gostaria e ainda chego lá. Deixar de comer carne, assim expontãneamente.
Não comer carne, nem peixe,nem frango, nem liguiça e nem salsicha. rs.rs.
Giulia disse…
Pois é, Cremilda, o preconceito é bravo, inclusive para os vegetarianos...