Alunos das escolas de luta: do MACRO ao MICRO




A História mostra que nenhuma vitória é duradoura se a luta não for exercida de baixo para cima.

Pela primeira vez em mais de duas décadas de degradação, a rede pública paulista parece estar em condições de recomeçar do zero, para finalmente garantir aos seus alunos uma vida escolar digna e propícia ao aprendizado.

O furacão que trouxe essa boa nova foi a indignação da camada "menor" da comunidade escolar: os alunos. Ou seja, esse movimento começou onde ninguém suspeitaria. Acostumada a manter os pais de alunos sob controle, mediante uma falácia chamada Escola da Família, além das tradicionais ameaças de expulsão dos filhos via Conselho de Escola, a Secretaria da Educação não podia acreditar que as ocupações das escolas por seus alunos dariam no que deram: a suspensão do projeto de "reorganização" da rede.

A própria sociedade brasileira ficou pasma - ainda sem entender bem o que está se passando - com a coragem, a determinação e a inteligência que os alunos demonstraram durante este mês e meio de intensa luta contra um sistema que até hoje os tratou como reles números...

Ora, os alunos da rede pública não "eram" burros, preguiçosos, ignorantes, mal-educados?... Ah, essa rebeldia só poderia ser influência "da oposição", "das esquerdas", "dos direitos humanos dos bandidos"...

Só que não! Estratégias inteligentes e bem articuladas formaram uma rede entre os mais de 200 colégios ocupados no Estado, que acabou influenciando escolas em outros estados e recebendo apoio até do exterior.
De nada adiantou - ou até atrapalhou - a truculência policial do Alckmin, derrotada por atitudes como a da menina da imagem acima. O aluno covardemente carregado de cabeça para baixo pelas ruas comoveu a sociedade, que começou a perceber a desigualdade das forças e a apoiar as escolas de luta.




A gota d'água foi o vazamento do áudio de uma reunião interna da SEE pelos Jornalistas Livres (entre os melhores aliados das escolas de luta durante esta batalha), em que o chefe de gabinete, Fernando Padula, declarava guerra aos alunos. Mesmo a contragosto, o governador teve que recuar.

Muito espertinho, tio Geraldo mudou de tática, suspendendo o projeto e prometendo que tudo será discutido "escola por escola" no ano que vem. Mas ele deixou um rabinho que revela qual vai ser a tática com a qual pretende ganhar esta guerra: pressionar os pais de alunos, hoje o elo mais fraco da disputa. Até agora, os pais ficaram na retaguarda, com medo das perseguições e represálias que seus filhos sofrerão durante o próximo ano letivo.


É nesse ponto que a batalha dos alunos, ganha através de um movimento corajoso, pacífico, inteligente, tenaz e com lances arrojados, como as mensagens grafitadas nas paredes das escolas, corre o risco de ser derrotada pelas boas intenções dos pais, preocupados com diplomas, certificados, avaliações e quetais... Essa é uma discussão urgente a se fazer na sociedade brasileira: afinal, o que é que vale na educação? Será o papel?...

A situação atual é muito crítica, pois os alunos não se limitaram a rejeitar o projeto de reforma do governo. Durante o período da ocupação, tiveram reuniões - até conjuntas entre membros das diversas escolas de luta - discutindo não apenas a política educacional MACRO do governo, mas também a "pedagogia" praticada dentro de cada escola, ou seja, a questão MICRO.

Muito contribuiram para esse debate, principalmente, as descobertas de salas "secretas" que ocultavam materiais pedagógicos negados aos alunos, e também as tentativas truculentas de invasão das ocupações pelos diretores de escola, acompanhados por pais e alunos enfurecidos, além de policiais militares que davam as coordenadas de como invadir os colégios sem deixar rastros, ou seja, tentando incriminar os alunos que ocupavam as escolas...




Esses debates dentro das escolas de luta foram tão aprofundados que resultaram em denúncias, como, por exemplo, na EE Carlos Gomes, em Campinas. Lá, os alunos acusaram a direção de "perseguição, humilhação, autoritarismo, assédio, desrespeito, preconceito e discriminação a estudantes, familiares, funcionários e professores".

Essas denúncias resultaram no afastamento da diretora da escola para uma "apuração preliminar". Isto mostra que o movimento das ocupações está exercendo um poder muito maior do que combater apenas o autoritarismo MACRO na rede de ensino. Além das medidas autoritárias do governador e da Secretaria da Educação, é preciso combater o autoritarismo MICRO dos diretores, supervisores e demais profissionais da escola.

Mas, atenção! Há também casos que já comprovamos diversas vezes, de complôs organizados por certos professores para derrubar diretores de escola que "incomodam" - os bons diretores, esses que cobram assiduidade, pontualidade e compromisso dos profissionais da escola...

Depois que os alunos das Escolas de Luta começaram a mexer no vespeiro que é a rede paulista de ensino, vai começar a emergir todo tipo de problema, inclusive atos de corrupção MACRO e MICRO, desde reformas de escola que não saem do papel, embora a verba seja "contabilizada", até a compra de materiais feitas pelas APMs através de notas frias de empresas fantasmas...

Tomara que esses alunos saibam segurar esse rojão, pois não vão faltar perseguições, represálias e calúnias! Eles precisam urgentemente do apoio dos próprios pais, das entidades de direitos humanos e da mídia alternativa, para que não desistam no meio do caminho ou, pior, que não sejam desmoralizados por uma manobra que costuma pegar bem. Prestem bem atenção:

A direção do colégio chama uma ampla reunião com toda a comunidade escolar, principalmente pais e alunos, e solta um discursinho mais ou menos assim: "Mães, pais, alunos, surgiram denúncias infundadas que estão jogando lama nesta escola. A situação é tão grave que ela periga ser fechada. Vocês querem isso? Querem que a escola seja fechada??". Pronto: a resposta será não e a direção da escola, por mais corrupta que seja, tentará se livrar das acusações através de falsos testemunhos e manobras inconfessáveis. Nós aqui já vimos muito esse filme!!

Tem mais: "apuração preliminar" é apenas a primeira fase de um processo que poderá não ter continuidade, pois muitas vezes as manobras dos maus diretores funcionam e eles são reintegrados à escola. Daí o jogo vira, e os alunos denunciantes passam a ser perseguidos até à expulsão.

No caso de a apuração vingar, ou seja, se for instaurado processo administrativo, o ambiente escolar vira um verdadeiro inferno: o diretor afastado mexe seus pauzinhos para se defender de todas as formas possíveis, legais ou ilegais. Esse processo pode durar anos e até lá muitos pais, alunos, professores e funcionários vão ser "arrolados" como testemunhas. Uns ficarão contra outros, numa espécie de guerra civil dentro da escola.

Por tudo isso, os alunos que ocuparam suas escolas durante este final de ano letivo precisam receber desde já todo o apoio jurídico e moral possível, além do acompanhamento da mídia, para que seja feito o registro de todos os eventuais desmandos que os prejudiquem. Hoje eles são heróis, amanhã poderão ser feitos de vítimas...

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