A política educacional nas mãos erradas



Este antigo blog está sempre discutindo algumas questões, na esperança de que aos poucos surjam mudanças de paradigmas. Uma dessas questões já resumimos no post Educação brasileira: a saída é a miscigenação:

Enquanto a política educacional estiver nas mãos de quem tem seus filhos matriculados na rede privada, nada vai mudar para melhor!

Há alguns anos, participamos de um seminário organizado por uma grande ong, com o objetivo de traçar rumos para a educação. Plenário lotado, algumas falas muito técnicas, outras empolgadas, mas nada que realmente apontasse mudança de rumos. Pedi a palavra e perguntei quais dos presentes tinham filhos estudando na rede pública. Apenas uma pessoa levantou a mão, e foi entre o público presente, não na mesa que discutia os assuntos.

Essa é uma realidade que precisa mudar, se realmente queremos uma sociedade justa e igualitária. Os que elaboram a política educacional do país não apostam na igualdade de condições para todas as crianças e adolescentes, desejam e garantem privilégios para seus próprios filhos. Mesmo que seja apenas um processo "inconsciente"...  Nesse caso, já está na hora de essas pessoas desenvolverem alguma maturidade, não é mesmo?...

Muitos resumem a política educacional apenas à distribuição de verbas e ao salário dos docentes, o que é uma visão muito restrita.  A questão é muito mais abrangente e envolve o currículo, a gestão democrática e e organização das escolas, a formação e avaliação de profissionais e alunos, o respeito pelos alunos e suas famílias. E tudo o mais que possa oferecer às nossas crianças e jovens as melhores condições de desenvolvimento. Pois é disso que se trata!

No decorrer do tempo, temos elogiado diversas escolas públicas de todo o país, que apresentavam  padrão de qualidade e gestão democrática. Foram porém casos isolados que não tiveram continuidade, devido a mudanças na direção, no corpo docente das escolas ou das instâncias superiores, pois essas exceções "incomodam" o sistema.

Um caso raro tem sido o estado do Ceará, onde a qualidade do ensino vem aumentando há pelo menos uma década. Estão no Ceará as 24 melhores escolas de ensino fundamental do país, todas elas públicas e várias localizadas no interior do estado. Isso é resultado de uma política educacional preocupada com a população e com o futuro do país. Muito diferente, por exemplo, do estado de São Paulo, onde a política educacional está firmemente voltada para a privatização das escolas, o que levou ao fechamento de pelo menos 300 unidades e inúmeros turnos e salas, no decorrer das duas décadas de governo PSDB.

É muito fácil detectar essas diferenças: os alunos do Ceará têm aulas todos os dias, são constantemente avaliados, recebem apoio e reforço escolar, a merenda diária é uma realidade, as famílias são bem-vindas nas escolas. Os alunos paulistas têm AULAS VAGAS todos os dias e o IDESP revela com todas as letras a falta de avaliação e de recuperação, além da evasão e da expulsão de alunos, que ainda é assunto TABU na rede. Quanto à merenda escolar.... ah, essa pode ser tranquilamente roubada, afinal, educação e alimentação são problemas da família, não é mesmo?... Família essa que só é recebida na escola para ouvir reclamações a respeito dos filhos!

A esperança é que as conquistas realizadas na educação cearense estejam consolidadas, ou seja, que as políticas públicas não mais sofram com eventuais mudanças de governo. Essa é a grande solução para a educação em todo o Brasil: políticas públicas permanentes.

Em estados como o de São Paulo, que tramam a privatização e praticam a contínua deterioração do sistema, a única solução é uma mudança radical de governo, que possa implantar uma política educacional de qualidade.

Se o Ceará ainda é caso isolado neste país continental, não adianta pensar que boas mudanças virão "de cima". Os donos do poder continuarão tocando uma política educacional de privilégios, enquanto a população não questionar o sistema como um todo.

É muito difícil para pais de alunos que não tiveram, eles próprios, uma educação adequada, avaliarem e criticarem as escolas dos filhos, no sentido de solicitarem ou exigirem mudanças. Muitos deles se dão por satisfeitos ao conseguirem uma vaga na escola pública do bairro onde moram, e se preocupam em manter a matrícula dos filhos, pois qualquer crítica pode levar diretores autoritários a expulsá-los. Não acredita? Bem-vindo à realidade! Abra esse link que mostra justamente um caso de expulsão de aluno na EE Jardim Iguatemi, devido a denúncias feitas pela própria mãe. Acompanhamos esse caso pessoalmente e conseguimos reverter a expulsão do aluno, mas para isso tivemos que participar de uma reunião de Conselho de Escola e pedir socorro à Secretaria da Educação.

 De tempos em tempos, alguns pais de classe média  resolvem matricular seus filhos na rede pública, muitas vezes por estarem com o orçamento apertado, outras poucas vezes por perceberem que estão criando seus filhos "numa bolha". Essa é a "moda" que precisa pegar para que haja reais mudanças na educação brasileira. No fundo, o governo faz o que a classe média deseja, ou seja, enfraquecer a escola pública para favorecer a privada. Simples assim! O apartheid começa na busca de privilégios por aqueles que querem "proteger" seus filhos, partindo inclusive da premissa errada que a educação é um produto, e assim, quanto mais caro, melhor... Dessa forma, esses pais não percebem que estão pagando duas escolas, já que a pública não é de graça, ou melhor, é regiamente paga com o NOSSO dinheiro. As verbas se esvaem em atos de corrupção, e ninguém se preocupa em fiscalizar!

Gostamos de relembrar o documentário Pro dia nascer feliz, que mostra os inúmeros talentos desperdiçados pelas escolas brasileiras, sejam públicas ou particulares, inclusive as de elite, que se preocupam apenas com rankings de avaliação.e formam cidadãos cegos para a realidade do país em que vivem.

Enfim, a saída é a miscigenação e o fim do apartheid educacional passa pela queda de todo tipo de racismo: contra o negro, contra o índio, contra o diferente, contra o imigrante, contra o pobre... Até lá, a política educacional ficará nas mãos de indivíduos nada preocupados em unificar o país, muito ao contrário!

Comentários