A escola mata a criatividade?


Texto traduzido por Giulia do jornal virtual espanhol La Vanguardia.com
(A tradução pode ter ficado algo macarrônica, pois não estudei português nem espanhol, mas acho que dá pro gasto. Esse texto fantástico foi divulgado por Gustavo Ioschpe no Twitter e esperei que alguém mais credenciado se habilitasse a traduzi-lo, mas parece que poucos se interessam por mudanças DE FATO na educação brasileira. Achei essa leitura superimportante para os pais avaliarem a escola em que seus filhos estudam, já que, para eles, ela é TABU. O texto é longo, mas vale muito a pena lê-lo. CORAGEM!!! Relembramos também o post Escola do papagaio, que mostra experiências riquíssimas em escolas públicas de todo o Brasil e comprova portanto que existem raros, mas excelentes exemplos de qualidade pedagógica no país.)

Dizem que a criatividade é o gene do gênio e do talento, aquele que determina que haja Einsteins, Edisons, Leonardos, Quevedos e Steves Jobs, e que todas as crianças nascem com ele. Então, por que surgem tão poucas pessoas inovadoras?

Para Sir Ken Robinson, um dos maiores especialistas internacionais em desenvolvimento da criatividade, está claro o motivo pelo qual deixamos de ser criativos ao crescer: “As crianças arriscam, improvisam, não têm medo de errar. Não que errar seja sinal de criatividade, mas está claro que não se pode inovar se não se está disposto a errar, e nós adultos penalizamos o erro, o estigmatizamos na escola e na educação; e é dessa forma que as crianças se afastam de sua capacidade criadora.

Ele não é o único que acredita nisso. A cada dia aumentam as vozes que alertam que o sistema educacional, na escola, mata a criatividade. Entre elas, Petra Maria Pérez, professora de Teoria da Educação e membro do Instituto de Criatividade e Inovações Educacionais da Universidade de Valença, Espanha. “Existem numerosos estudos que assinalam que a criatividade das crianças decresce com os anos de permanência no sistema educacional, de forma que, com o tempo, a curiosidade e a busca criativa cedem lugar a comportamentos mais rígidos e inflexíveis”, ela aponta. E assim justifica: “Na escola se ensina à criança adaptar-se aos padrões estabelecidos, a adotar um pensamento convergente em lugar de divergente; ao professor interessa que as crianças absorvam determinados conteúdos e que os estudantes não saiam dos rumos estabelecidos”.

Fernando Alberca, professor e autor, entre outros, de Todos los niños puedem ser Einstein (Toro mítico): “Se um professor pede a uma criança que desenhe uma paisagem e ela pinta tudo de preto, o professor a corrige; o professor não está preparado para ser surpreendido e, habitualmente, não gosta de ser surpreendido; ele quer que as respostas nos exercícios e nos exames se ajustem ao que está no livro ou ao que ele explicou. Isso limita o potencial das crianças e embota sua inteligência, pois utilizam menos a imaginação e lhes é impedido o uso da criatividade. Assim os alunos saem do ensino fundamental, e ainda mais do médio, menos criativos do que quando chegaram à escola”, relata.

Petra Maria Pérez lembra que o êxito escolar significa obter boas notas, e aqueles que as tiram são os alunos que mais se adaptam ao sistema educacional, os que assimilam e repetem o que o professor fala, os que seguem os padrões estabelecidos, arriscando e inovando o mínimo para não cometer erros nem cair no ridículo. “No âmbito profissional buscam-se pessoas criativas, inovadoras, empreendedoras, que pensem, que tenham ideias originais, que busquem soluções próprias, e os alunos com boas notas não sabem fazê-lo, pois na escola, onde eram considerados bons, recebiam soluções prontas e o que contava era fazer as coisas exatamente como lhes ensinavam, sem pensar de forma diferente”, alerta. 

Sir Ken Robinson e o escritor britânico Mark Stevenson – autor, entre outros, de Um viaje optimista por el futuro (Galaxia Gutenberg) – asseguram que não se trata de um problema específico da escola ou dos professores espanhóis. Robinson, em suas conferências, explica que todos os sistemas educacionais do mundo datam de uma realidade do século XIX, quando se ia à escola visando ao trabalho, e se baseiam em uma hierarquia de temas onde a matemática, a ciência, os idiomas e as humanas têm mais peso do que as artes, pois o objetivo é chegar à universidade e preparar professores universitários. Em uma sociedade industrial, formar-se significava acumular informação e conhecimento para logo aplicá-los no local de trabalho. Hoje, numa sociedade em que a informação se obtém num clique, mais do que acumular conhecimentos teóricos, é necessário desenvolver habilidades e competências para o desempenho profissional. “As mudanças sociais e tecnológicas modificaram o mundo e agora, ao sair da faculdade, o estudante obtém um diploma mas não um trabalho: no mercado pede-se uma inteligência diferente, enquanto o sistema educacional isola algumas competências: não ensina a dançar da mesma forma como ensina a matemática, não aposta na música porque não a vê como algo de utilidade para o trabalho, não educa a totalidade do ser”, resume Sir Ken Robinson.

Petra Maria Pérez afirma que “o ser humano precisa de criatividade para chegar à solução dos problemas; que o empreendedorismo é o futuro, porém no sistema educacional atual o anulamos, pois, quando uma criança afirma algo diferente do esperado, os professores a corrigem, e assim vão cerceando sua capacidade de ser criativa e inovadora”. Ela salienta que não se trata de criticar a atitude nem o trabalho dos professores, e sim de questionar os métodos de ensino. “Da forma como funciona hoje a maioria das escolas, se o aluno resolve um problema de matemática ou de física segundo os passos que lhe tiverem sido ensinados, mesmo que o resultado esteja errado, o professor valida o exercício; ao contrário, se ele chega ao resultado correto, porém através de outro método, sem seguir o procedimento ensinado, o exercício é anulado.” Isso - enfatiza - faz com que se fomente a repetição em lugar da criação, que se promova a acomodação em lugar da experimentação, e que as crianças e jovens acabem por não se arriscar a pensar de forma diferente, por medo de errar.

Fernando Alberca toma por exemplo o que ocorre em suas aulas de ética. Quando pergunta aos alunos que tipo de exame preferem: um que exige estudar e repetir o que está escrito no livro, ou outro para refletir sobre os temas tratados na classe, “mesmo os mais brilhantes sentem-se inseguros sobre a nota que obterão em um exame aberto e preferem uma prova em que possam garantir um 9 sem correrem riscos; sem riscos, porém, não há possibilidade de melhoras”, lamenta. Dizem os especialistas que não se deve estranhar essa reação de adolescentes de 15 ou 16 anos, já que desde os três anos percebem que na escola é melhor não dar opiniões próprias ou diferenciadas, se não se quer correr o risco de ouvir que são descabidas ou ridículas, já que as provas visam corrigir os erros que eles tenham cometido, em lugar de constatar se eles criaram ou desenvolveram algo diferente. Eles passam sua vida escolar elaborando trabalhos onde o professor não apenas dita os temas, mas indica a orientação a seguir, a extensão desejada, a forma de apresentação e, às vezes, as fontes de onde obter a informação, como explica o diretor do Instituto Avançado de Criatividade Aplicada e do mestrado em Criatividade da Universidade Fernando Pessoa, David de Prado.

Fernando Alberca enfatiza que há um fundamento anatômico (talvez neurológico) em todo esse debate. “A criatividade tem a ver com o hemisfério direito do cérebro, aquele que rege as emoções, a imaginação, os sentimentos... E a escola está centrada no hemisfério esquerdo, na análise, na razão, na sequência linear. Por isso se organiza em cursos, trimestres, aulas... e assim valoriza a ordem, a organização, os trabalhos em PowerPoint e as provas com respostas fechadas”, explica. A realidade é que todas as pessoas (professores e alunos incluídos) dispõem dos dois hemisférios cerebrais, porém a maioria utiliza mais um do que outro. Por isso, quando um professor dá umas explicações de matemática ou física baseadas no hemisfério esquerdo, elas resultam de difícil compreensão para aquelas pessoas que usam predominantemente o hemisfério direito. O que isso significa? Que quando o professor pergunta a uma criança “5 mais 7” e ela responde “57”, talvez não seja ignorância ou brincadeira, mas sim a aplicação de uma lógica diferente, a união de números em lugar de soma. Alberca explica um caso vivido pessoalmente, quando, diante de uma questão matemática que perguntava “se há 8 caracóis em uma cesta e 2 saem, quantos ficam?”, sua filha respondeu: oito. Em lugar de dizer que o resultado estava errado, ele perguntou porque ela achava isso e a menina respondeu que 2 haviam saído da concha, mas que a cesta continuava contendo 8 caracóis.

Sir Ken Robinson apresenta outro exemplo: a professora pergunta a uma menina de 6 anos na aula de desenho: “O que você está desenhando?”. Ela responde: “Deus”. A professora adverte: “Mas ninguém sabe como ele é!” e a menina responde: “Vão saber em um minuto”. A questão, alerta Alberca, não é que todo aluno responda na classe o que quiser, mas que o professor leve em conta o fator humano, ou seja, que há crianças utilizando uma lógica diferente, a da imaginação. Assim, ele deveria perguntar o porquê quando recebe uma resposta diferente, além de adaptar suas explicações e sua linguagem para facilitar a compreensão por parte daqueles que usam predominantemente o hemisfério direito. “Muitos desses alunos acabam engrossando as estatísticas do fracasso escolar, não são porém menos brilhantes ou inteligentes, apenas possuem uma lógica distinta”, afirma.

Robinson deixa claro que não se trata de casos isolados. De acordo com sua experiência, aproximadamente 40% dos estudantes têm predominância do hemisfério direito. Por outro lado, essas pessoas costumam ser mais intuitivas, ter mais empatia e uma visão mais global, qualidades essas muito apreciadas no mundo profissional atual. “Às vezes basta modificar o enunciado dos problemas matemáticos, torná-los mais emocionais, tipo apresentar uma divisão como a repartição de pastéis entre quatro crianças famintas, para que esses alunos não fracassem nessa área”, exemplifica. E insiste na necessidade de fomentar a criatividade, através de provas com perguntas novas sobre o tema explicado, visando que as respostas sejam criativas e lógicas e que se possam valorizar não somente as repetitivas, mas todas aquelas que sejam críveis, válidas e lógicas, pontuando ademais a originalidade.

É claro que também há professores que trabalham mais com o hemisfério direito, “porém tendem a serem expulsos do sistema, porque em lugar de serem considerados mais criativos são tidos por extravagantes e culpados de não ensinarem conteúdos importantes”, conclui Alberca. Sua receita para remediar a tudo isso é introduzir matérias sobre criatividade no aprendizado, ou sobre a imaginação como ferramenta para a solução de problemas, em todas as universidades de formação de professores.

A fim de resolver problemas importantes, seja no âmbito escolar, profissional ou pessoal, é necessário combinar os dois hemisférios, a intuição com a análise. “Se você encontra alguém na rua, o hemisfério direito te avisa que você já conhecia essa pessoa, já o esquerdo informa o nome”, exemplifica Alberca. Ele está convencido de que se a escola mudasse, os estudantes – e seus resultados – seriam mais brilhantes “porque hoje, no âmbito escolar, triunfam os alunos menos imaginativos e depois vemos que muitos dos grandes profissionais que admiramos por sua inteligência e criatividade não recebiam boas notas na escola”. Petra Maria Pérez afirma que a criatividade é uma habilidade adquirível, que pode ser aprendida e ensinada, exigindo porém mais tempo e dedicação para que as crianças encontrem as soluções corretas. É necessário também apostar na flexibilidade, na originalidade, na imaginação, no desejo de experimentar, bem como ter receptividade para ideias novas e fomentar a confiança... É claro que há professores e instituições que já trabalham com essas propostas.

Como saber qual hemisfério predomina
Fernando Alberca aponta que um método fácil para que cada pessoa saiba o hemisfério predominante em seu cérebro é conhecido como teste da bailarina, do qual existem muitos links na internet (por exemplo, Psicoenredos.blogspot.com/2008/02/hacia-qu-lado-gira-la-bailarina.html). Trata-se da imagem de uma boneca em movimento que alguns vêem girar da esquerda para a direita, outros da direita para esquerda e alguns percebem mudar de direção. Há porém outras formas de detectar esse fenômeno. “Se pedir a uma criança que desenhe uma árvore, os de hemisfério direito desenharão primeiro o solo, o sol e outros detalhes fruto de sua imaginação e aqueles regidos pelo esquerdo desenharão somente a árvore” explica.  Outro indicador pode ser quando alguém resume um filme: os de hemisfério esquerdo o fazem na sequência dos fatos, os do direito focam o que é relevante para eles, sem levar em conta a ordem cronológica.

Comentários

Aline Rossi disse…
Olá Giulia! Muito interessante sua postagem! Já conhecia o sir Ken Robinson, mas descobri uns nomes novos aqui no seu artigo e queria te pedir referências, visto que estou produzindo um artigo para a Universidade de Coimbra (Portugal) e me interessei pelas passagens da Petra Pérez que citou primeiro. Pode me dizer onde encontro as citações? Livros, vídeos ou sites?

Obrigadíssima! Continue com o blog, estou adorando :)
Giulia disse…
Oi, Mica, que bom que você aproveitou o texto. Infelizmente não posso te dar mais informações, pois só traduzi o artigo... Talvez você possa saber mais alguma coisa entrando em contato com o jornal La Vanguardia: segue o original em espanhol com os dados do jornal: http://www.lavanguardia.com/estilos-de-vida/20120203/54247867713/la-escuela-mata-la-creatividad.html
Boa sorte! Um abraço.
Anônimo disse…
Ótimo texto, perfeito para explicar o vídeo dos TED talks, linguagem bastante acessível e bem interessante tanto pra quem pesquisa para faculdades, escolas, entre outros, quanto para quem pesquisa por curiosidade.Meus parabéns. Beijo.