Lya Luft, pode confiar!


De vez em quando sou obrigada a comprar a Veja, já que os artigos de Gustavo Ioschpe são disponibilizados na net com muito atraso - quando são. Vou comentar separadamente o último, que escancara o imenso cabide de empregos existente no sistema de ensino. Já sabíamos desse descalabro por nossas andanças em órgãos públicos, onde há pencas de assessores educacionais emprestados da rede de ensino. Leia-se: professores, coordenadores, supervisores e diretores comissionados em gabinetes. Não havia porém dados estatísticos e esse é o mérito de Gustavo Ioschpe, excelente escarafunchador e tabulador de números, cada vez mais surpreendendo com sua ousadia.

Já que comprei a Veja desta semana, além do artigo de Gustavo Ioschpe chamou-me a atenção o de Lya Luft, Em quem confiar. Não é a primeira vez que leio textos dessa escritora, que deve ter aproximadamente a minha idade, por isso fico à vontade para comentar a respeito. Mais uma vez ela adota uma postura saudosista, falando da confiança que sentia "antigamente" em algumas pessoas e instituições. Prezada Lya, eu também já tive esse tipo de pensamento, mas costumo rejeitar o saudosismo e, nas horas de espanto e perplexidade frente a fatos novos, me pergunto: no que eu me omiti, para as coisas chegarem a esse ponto? Ou então: o que está ao meu alcance, para ajudar a mudar isso?

Cara Lya, a mudança tem que partir de cada um de nós. E muitas vezes as nossas lamúrias causam um desastroso efeito dominó. Você fala, por exemplo, que no seu tempo os alunos se levantavam quando os professores chegavam na sala de aula. "Hoje batem nas professoras, jogam objetos", coisas que, na sua opinião, nem passavam pelas "nossas fantasias de adolescentes".

Talvez você não tenha plena consciência de que fala para um público que, como você, tem a vivência de uma pequena parte da condição humana no país. A outra parte, você conhece apenas através de noticiários parciais, como são os de um país dividido por um apartheid velado que separa dois mundos: o das crianças e adolescentes que estudam na rede pública de ensino - a esmagadora maioria - e os que estudam na rede particular - uma seleta minoria. Essa separação nada tem a ver com a questão da qualidade do ensino. Não, pois 90% das escolas particulares são tão ruins quanto as públicas. Isso tem a ver com preconceito, medo e nível de renda. Quem tem poder aquisitivo para tal, matricula seus fihos numa escola "paga" (como se a pública já não fosse regiamente paga com os nossos impostos!), onde possam estar a salvo da mistura com crianças e adolescentes de outro nível social, considerados pivetes em potencial e, como está em voga, causadores de bullying.

Quando você diz que hoje os alunos batem e jogam objetos em professores, é que a revista com a qual você colabora passa por cima de notícias que nunca merecem a atenção da grande mídia, por exemplo:


Para não falar das crianças e bebês matriculados em "escolinhas" onde são maltratados e até torturados, sem ao menos saber relatar os crimes de que são vítimas!

Os fatos aqui lincados só foram divulgados porque os pais desses alunos tiveram a coragem de denunciá-los, o que é raro. A grande maioria daqueles cujos filhos sofrem abusos até mais graves, não têm a mesma coragem, sabe por quê? Porque PRECISAM de uma vaga para os filhos e SABEM que, caso se atrevam a denunciar, eles serão perseguidos até à expulsão, além de sofrerem abuso moral, intimidação e humilhação, como o aluno que teve a boca tapada pela vice-diretora "que cursara seis faculdades".

Cara Lya, você nunca percebeu que a grande mídia só ouve a voz do profissional da educação e nunca se preocupa em apurar a versão do aluno? Nunca lhe passou pela cabeça que os alunos possam estar seguindo o exemplo dos próprios professores? Nunca percebeu que existe uma forte manipulação da mídia por parte dos sindicatos da "educação", com suas poderosas assessorias de imprensa? E, principalmente, nunca pensou que você possa estar influenciando milhares de pessoas com opiniões não muito bem fundamentadas?...

Sei que você é uma mulher inteligente e sensível. Pode ser que se aborreça com meus questionamentos, mas tenho quase certeza de que vai abrir os olhos, pois a maturidade nos torna sábios, apesar de às vezes restringir nosso campo de ação. Eu ainda visito a periferia e as favelas, quando me convidam, e posso afirmar que nelas conheci jovens nos quais confio, muito mais do que em outros que moram "bem" e estudam em escolas caras. Eles têm inteligência, atitude e caráter, mas não têm voz, pois a mídia os despreza, ao divulgar as famosas "pérolas do ENEM" como resumo de seus conhecimentos, fazendo assim pouco caso do seu valor.

Quem revelou ao Brasil o apartheid educacional existente no país, de forma inequívoca e absolutamente transparente, foram os adolescentes do filme Pro dia nascer feliz. Pena que a sociedade continue entorpecida, a ponto de a escola continuar sendo uma instituição "sagrada" em todo o país. Nessa instituição - você está coberta de razão, Lya - não se deve confiar!! Mas nos jovens você pode confiar, sim, desde que a lavagem cerebral que receberam não tenha sido forte demais. E, por outro lado, eles são o que fizemos deles!

Para finalizar, dois fatos mostram o desprezo que a sociedade brasileira - diga-se, os formadores de opinião - dedica ao aluno da rede pública:

As intermináveis greves dos professores que prejudicaram milhões de alunos em todo o país. Nem uma palavra de preocupação pelos alunos! Toda a simpatia foi para os professores, graças ao "excelente" trabalho das assessorias de imprensa dos sindicatos. Nem mesmo a cervejada dos grevistas indignou a sociedade.

O suicídio de um aluno de dez anos, após atirar na professora. O assunto foi simplesmente varrido para baixo do tapete, antes que pudesse chamuscar a imagem da professora. Toda a mídia aceitou passivamente a opinião dos investigadores, de que o motivo da tragédia estaria enterrado junto com o aluno: melhor pensar que se tratou de mais um "psicopatinha", do que imaginar que uma criança pudesse ter uma profunda mágoa da professora e da escola. Ommmmmmmm!

Namaste, cara Lya Luft!

Comentários

Edson disse…
Giulia, volta e meia apareço aqui. Defendo o direito ao contraditório - sempre...
Mas mais uma vez vou repetir e será a última. Este mundo de fantasia onde a criança e o adolescente são santos também não existe. O que você ataca - e justamente existe, e muito. Mesmo que a mídia "demonize" o aluno isso não significa que devemos também santificar as vítimas. A sociedade está totalmente desestruturada e as famílias também. Infelizmente os jovens seguem exemplos. Continuando a atacar e focar somente um lado da moeda nunca levará a lugar algum.(...)"Nunca lhe passou pela cabeça que os alunos possam estar seguindo o exemplo dos próprios professores?(...)"
E nunca lhe passou pela cabeça que a família é o primeiro exemplo?
Giulia disse…
Victor, você diz que estou "santificando" o aluno? Por quê? O que estou exercendo aqui é justo o tal direito ao contraditório. A mídia e a sociedade é que estão demonizando o aluno de forma quase irreversível e você comprova disso: numa hora em que eu coloco exemplos claros de CRIMES (esse é o nome, Victor, sabia?) de profissionais da educação justo contra quem eles deveriam respeitar, você vem com histórias? A família é o primeiro exemplo, mas é raro crianças baterem nos pais, não é? E olha, se a sociedade está desestruturada, como você diz e todos papagueiam, vamos então arregaçar as mangas. Com desânimo e niilismo é que não chegaremos a lugar algum.
cremilda disse…
Giulia
Esse texto merecer ser enviado para a Veja.
E no texto deve ter o endereço dessa tal Lya
Então manda bala.
Pega tudo que é endereço da revista e manda o texto, por favor, acho que é uma boa medida.
Com sorte a Veja pode até publicar.
Está muito bom
cremilda disse…
Victor
O problema é que toda vez que se fala em deficiencia da família e toda vez que é professora que fala, se esquece que na familia de professora tem toda miséria que tem família de aluno.
Glória disse…
Giulia, essa postura reacionária da Lia Luft em relação aos alunos não é de hoje, já li outros artigos dela tempos atrás.Surpreendeu-me partindo de uma escritora tão "sensível" como vc disse. Isso só vem nos mostrar o quanto a erva daninha é mesmo difícil (ou impossível) de limpar. E o quanto o cacoete da imprensa pedófoba é praticamente invencível.Discordo quanto à equiparação da escola particular com as públicas. Nas particulares há uma série de defesas: há interesse em manter os alunos, os pais são ouvidos, professores podem ser punidos e até despedidos, concorrência com outras escolas, parece pouco, mas faz uma grande diferença. Imagine se houvesse isso na escola pública. Vc viu a notícia esses dias da professora que pegou uma faca para ameaçar os alunos em Contagem/mg?? Foi chamada de "coitada", "estressada" e está de licença médica...Se fosse escola particular seria imediatamente despedida por justa causa. O que JAMAIS acontece na escola pública.
Edson disse…
Giulia, não são histórias. São fatos. Concordo com você que se trata de crime quando a infância é atacada, às vezes das formas mais vis. O que pondero é que tanto a demonização quanto à santificação de jovens (que hoje são totalmente diferentes de nossa época)não levam a lugar algum. Há "profissionais" que são monstros, mas também jovens que são sim vítimas, mas que carregando em si o descaso também de suas famílias e da própria sociedade, incluindo professores, funcionários, enfim... devolvem com violência a carga que estão sob seus ombros. Há que se ter políticas públicas não só para a Educação - sozinha não resolverá nada, só complementará - como para a valorização da família. Você diz que é raro crianças baterem em pais. Giulia, não é não absolutamente. E há ainda a violência verbal e a falta de autoridade dentro das casas. Não fechemos os olhos, sob pena de cairmos no senso comum.
Giulia disse…
Victor, concordo com você em parte. Mas há de se tomar cuidado com colocações do tipo "antigamente era melhor" ou "os jovens eram diferentes". Ser humano é tudo farinha do mesmo saco, temos, sim, tendências negativas e é necessário esforço para superá-las. Mas, se os melhores não se esforçarem para ajudar os demais - e apenas ficarem na lamúria - a tendência é piorar.
Giulia disse…
Cremilda, já mandei pelo twitter para a Lya Luft e para a Veja, mas isso para eles não passa de uma "cozquinha", rsrs. Não acredite que alguém se importe com as nossas opiniões. Eles estão acima da carne seca e recebem mil mensagens a favor contra uma nossa, pois essa é a posição da sociedade. Nada a comemorar.
Glória disse…
Giulia, nossa companheira Cremilda é um amor de otimismo...Deusconserve, como dizem os mineiros... rsrs (agora mesmo ouvi na TV ASSEMBLEIA/MG os deputados discutindo calorosamente as formas de compensar "os pobres professores" pelos 112 dias de greve, um propôs adiantar o 13º salário para que recebam em dobro. Ai, que náusea!)!)
Vera Vaz disse…
A grandissima maioria dos alunos não atira nada em professor!!!!!!!!!!!!!!!!!! Fica sentadinho escutando horas e horas de aulas que muitas vezes pouco tem a ver com ele! Na nossa época também existiam alunos que punham cola ou tachinhas na cadeira do professor, soltava bombinha em banheiro, acendia aqueles barbantes fedidos na sala de aula, fugia da escola, cabulava aula, ria dos CDTs, brigavam no recreio, colava na prova, falsificava assinatura do pai\mãe ou responsável. A dfiferença: ninguém era tachado de delinquente por essas "traquinagens", professor não vivia se lamentando por isso e que eu me lembre...ninguém endeusava professor não! Como hoje os bons professores eram respeitados (não duvide disso: os BONS PROFESSORES HOJE SÃO RESPEITADOS TAMBÉM!!!!!)
cremilda disse…
Gloria obrigada. Eu digo sempre que você é uma glória.
Otimista eu sou sim. Não perco a fé por nada.
Isso é porque tenho pessoas como você, a Giulia, a Vera Vaz e outras que me dão forças na hora "h" Eu penso em desistir, e depois por causa das companheiras da luta resolvo dar mais um passo. Só mais um passo, e assim vou indo.
Edson F. disse…
Giulia, Cremilda, Vera e Glória, não estamos de lado opostos - claro que não.
O meu medo é sentir in loco o que ocorre dentro das escolas e ver teorias a respeito de tudo o que acontece.
Olha, já faltam professores. Ninguém mais quer a carreira. E aí?
Quem estará nas escolas educando? A família? A imprensa? Os teóricos?
Eu apenas reconheço que além da falta de profissionais compromissados (muitos bandidos, até) temos também famílias ausentes, governos alheios e mídia ignorante...
cremilda disse…
Edson
De fato os educadores estão conosco.
Angustiados como os pais...
Já os professores tranqueiras que são a maioria é que estão dando as ordens na escola. Mandando e desmandando, alíás mais desmandando.
E não falta professor. Assisto de vem em quando atribuição de aula na região do Butantã. Tem centenas de professores que voltam para casa de mão vazia. Sem aula.
Sobra professor, saindo pelo ladrão.
Faltam educadores.
Guido disse…
Cremilda, quando fiz meus quatro anos de graduação, tres anos de mestrado e cinco anos de doutorado, foi para ser PROFESSOR, ensinar a minha matéria para os mais de quatrocentos alunos que tenho todos os anos. Educação sempre foi prerrogativa dos PAIS. Os pais aqui da minha escola sempre dizem "educação vem de casa". Minha filha quando vai para a escola é para aprender as matérias. A educação da minha filha é obrigação minha, não dos professores dela, assim como a educação dos meus alunos é dos pais deles, não minha.
Anônimo disse…
Quanto aos comentários, cada um defende um ponto de vista, apontando um culpado: ora o professor, ora o aluno... o que precisamos perceber é que cada um tem sua parcela de culpa, inclusive nós, CIDADÃOS, e enquanto estivermos apontando o dedo pra o outro, se esquivando da responsabilidade imputada a cada um como membro de uma sociedade, querendo apenas usufruir o que de bom ela tenha a me dar, as coisas tendem a piorar. Há tempos, a sociedade apresenta sinais de desestruturação, eu ouso dizer até, que essa estruturação nunca existiu de fato e nos moldes sonhados por alguns, mas temos a inclinação de achar que no passado tudo era diferente e melhor. É notório, que os comportamentos estão exacerbados, principalmente, quando se fala em direitos individuais, pois, tomamos, como INDIVIDUAL o MEU direito, como se ele fosse único e absoluto. É fundamental e urgente, transformar a essência do ser humano, seu âmago, caso contrário, será inútil, aprovarmos leis, códigos, cartilhas que serão empurradas goela abaixo e mais uma vez, descumpridas, ficando muitas vezes, ocultos à maior parte das pessoas, quando o verdadeiro problema sempre foi e esteve bem ali debaixo dos nossos olhos, mas preferimos acreditar que o problema é O OUTRO. A mídia tenta de todas as formas mostrar que os acontecimentos estão cada dia mais graves e inusitados, tornando a vida penosa, sem expectativa de melhoras vindouras, criando uma sociedade acomodada, que se habituou a achar que nada tem conserto, restando somente defender o que é seu e o resto que se EXPLODA, de preferência, bem longe, pra não ME atingir. Se saudosismo solucionasse alguma coisa, o Brasil seria um paraíso e exemplo a ser seguido pelo resto do mundo, pois SAUDADE só existe no Português, e se acha em qualquer esquina.
Giulia disse…
Muito sensato seu comentário, Mona Lisa!